Ele não virá

Ele não virá tão depressa. Tampouco virá.

Ora, se até mesmo as águas de março estão demorando a chegar, insistindo em manter o ardente calor do verão, porque ele haveria de vir?

Eu já o desenhei todas as formas possíveis de ama-lo, já o escrevi por entre linhas e entrelinhas a nossa história, um tanto desconexa no sentido físico e tão conexa de almas e intensidade.

Mas ele não virá.

Não dirá, não responderá minhas perguntas ou mensagens, quiçá sairá da quietude do silêncio atormentador que o mesmo insiste em manter.

Como também sei o motivo de tal silêncio: ele não consegue me esquecer, tampouco tirar-me de sua mente. Mesmo que em certos momentos ele se dê por esquecido.

Ele não sabe o que saber fazer ou pensar sobre nós. Ele também não sabe a direção a seguir quanto a nós, não sabemos afinal.

Somos intensos no nível mais profano, e passamos do ponto que nunca imaginávamos passar, e agora é tarde para consertar: o amor chegou. E o amor dói por tantas vezes. E também é difícil para nós dois saber o que fazer com tudo isso. Só nós sabemos o porquê. Só nós sabemos o quão nosso somos, mesmo que por tão poucas horas a estarmos juntos.

Em verdade, há que se dizer que não sabemos nem um pouco do que será, do que virá, ele apenas, monótono, diz que sou pessimista. E, ora! Pudera não ser não o posso ter sequer por dois dias seguidos.

De todas as trilhas sonoras por ai a existir, compomos a melhor, sem dúvida, a nossa é tão somente nossa e particular, que nada pode desfazê-la, fomos e somos os melhores maestros nos embalos de nossas canções.

Ressalvo ainda, a nossa diferença de idade e experiências, então? Parece não haver. Afinal, sempre discutimos tão bem a respeito dos assuntos mais banais aos mais complexos e descobrimos que somos tão comuns e parecidos um ao outro e um para o outro.

Apesar de poetisa, posso afirmar que já não sei mais o que fazer com todas as cartas, textos, poesias, dizeres, já está tudo dito, já fora tudo tão dito de minha parte. E ainda assim, não o posso entregar como um presente, numa caixinha a ser guardada para que ele leia nos dias que alguma vaga lembrança e saudade minha o vier a cabeça.

Tampouco sei o que fazer com nossas taças, estas, dedicadas e compradas apenas e unicamente para nós dois no dezembro passado. Porém, a ira me faz querer atira-las na parede, só para não lembrar de que um dia dediquei a escolhê-las para nós dois e que ele nem sequer atentou para tal detalhe, e elas permanecem embrulhadas num jornal na mala do carro. Nunca a usamos.

É que agora, já há tanto tempo, não apreciamos mais as safras portuguesas do nosso agrado juntos, mesmo expressando eu, o meu desejo e a saudade que tenho de o fazermos, escutando nossas canções, a comentar as letras e timbres. Não temos mais nosso refúgio um tanto secreto, tampouco eu consigo alguns minutos de diálogo com ele.

Tudo se enche de porquês, principalmente pelo silêncio dele.

Almejei deveras e infinitas vezes uma despedida, antes de uma difícil jornada a enfrertar-me eu, como também, não queria dizê-lo a data nem hora, sabendo que queria ter eu, a alegria de ler alguma mensagem dele, ou receber alguma ligação quando tudo findasse.

Mesmo o dizendo por insistência do mesmo, nada tive, como esperado, d'onde o errar fora meu, por criar tamanha expectativa. É que um dia ele já fora dessa forma, sabe?

Me falaram ainda, que sob os efeitos do ópio, eu proferi seu nome, obviamente achei que estava ficando insana no dia seguinte.

Mas ele apenas estava em meu subconsciente, como também sei que eu estava no dele e permaneço por muitas madrugadas quando o mesmo aprecia o mar com uma taça de vinho a acompanha-lo junto a sua insônia.

Ele não virá.

E talvez nosso último beijo tenha sido nossa despedida, bem como já o escrevi em outros romances nossos: tudo é tão intenso, que mais parece ser a última vez.

De alguma maneira, penso que o assustei ou o deixei mais confuso, talvez o tenha sufocado, mas nunca tive tais respostas quando as fiz em forma de perguntas.

Não sou de metades, e ele sempre soube de minha tamanha autenticidade.

Expresso meus desejos, quereres, gostares e amor. E há uns dias percebi que o amava e não consegui conter, estava me sufocando prender, então disse que o amava.

Doeu descobrir, por saber que não poderei viver nem desfrutar algum pequeno gosto deste amor, que pra ele não chegou, ou se chegou, o silêncio não o permite dizer, mas sei que o que há em seu coração o inquieta e tira o sono, como também provoca sua ira e solta faíscas, estas, que acabam por atingir-me.

Ele sabe bem que nada o tenho a oferecer, não ser amor e momentos únicos abraçando o mundo, o abraçando todas as manhãs com ternura após dormir em seu peito. E apenas fazê-lo sentir cada vez mais, que há muito tempo ainda para se viver, fazê-lo parar de pensar que "já não tem mais tempo".

Dele agora não sei.

Ele pode estar cruzando o oceano, seguindo parte de sua vida que ele escolheu seguir, a fim de uns dias de férias e comemorações, d'onde não me cabe intrometer, apenas confessar que me sinto triste ao ver, ao saber. Paciência. A vida é assim por vezes.

De mim, não tenho mais palavras para compor versos, já o enviei todas as cartas que havia prometido jamais escrever novamente para outro ser, já o proferi minhas prosas mais bonitas, já narrei nossa história em tantos papéis.

No fundo, ele está esperando esta tal carta que estou aqui agora por escrever, uma vez que virou rotineiro, tentar comunicar-mos-emos poeticamente através de meus dizeres infinitos, a redigir o que estou por escrever e a sentir agora, e ele apenas lê, sem dizer se ao menos leu, ou deduzo que leu, e no seu silêncio ele prefere prosseguir.

Ele não virá.

Não sei de nós. Apenas sinto o "nós". Eu não sei dele há uns dias, apenas esperei que o me viesse, como prometido. Mas o seu silêncio respondeu por ti, não virás.

E novamente, recebi um espinho no lugar de rosas, e ele sabe bem, já que tão cortês é, que princesas e damas devem receber rosas e não espinhos, e o silêncio é o espinho que mais machuca.

E eu, estou por continuar a encarar essa jornada nada fácil que estou a passar, sem nem sequer um "bom dia, como você está hoje?". Ele sabe que me faz falta e que a saudade por vezes não tem espaço a caber. Também sei que a saudade o preenche, o toma conta.

Porém não sei o porquê do não expressar-se dele.

Ele apenas não virá e eu terei que dar conta sozinha da saudade e de sentir o cheiro dele, enquanto ele cruza o oceano e aprecia os Douros, Regionais e Alentejanos, não com nossas taças, mas sim, com as taças que ele escolheu quais digitais as queria nelas.

Marinara Sena

15:05

10/03/2020

Marinara Sena
Enviado por Marinara Sena em 14/03/2020
Reeditado em 23/05/2021
Código do texto: T6887828
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