Noite Passada Falei com o Vírus

Noite passada falei com o vírus:

falei-lhe, da forma mais eloquente que pude,

que nós seres humanos

estamos morrendo de saudades da nossa saúde

da nossa Liberdade

dos nossos sorrisos mais espontâneos!

O vírus ouvia e assentia calado e reflexivo...

Vi ali uma oportunidade de advogar:

falei ao vírus que

antes dos problemas que ele nos causou

havia sobre a Terra um Sol radiante

que nos acalentava e iluminava a todos, indiscriminadamente;

contei da Natureza inigualável do planeta,

dos nossos campos e das nossas fazendas

-algumas do tamanho de pequenos países-

cuja produção de soja e carne

se destinava à alimentação de todas as pessoas

e que por isso não havia fome, subnutrição e...

(não havia fome antes do vírus, não é?)

contei ao vírus que havia Paz entre nós!

que nossos filhos e filhas

eram amados com intensidade desde o berço

e que por isso todas as crianças do mundo

estavam seguras e protegidas da criminalidade

e da exclusão social...

e do abandono...

e da solidão...

e livres de ter que dormir, famintas, no chão frio

e perigoso das duras metrópoles...

contei ao vírus

(nesse momento eu já havia sido tocado por uma centelha divina

e alonguei minha voz para que as bactérias nocivas também pudessem respeitar as glórias do Homem!)

contei que havia nas nossas sofisticadas cidades

pessoas de todas as origens

e de todas as cores

e de todos os credos...

embora as pessoas de determinadas cores

fossem sistematicamente assassinadas e confundidas e queimadas...

e ainda hoje não ocupassem certos lugares...

e que nem mesmo um guarda-chuva pudessem levar...

mas as mulheres e os homens!

ah, as mulheres e os homens!!

contei ao vírus que o Amor brotava salvo e seguro

como a Primavera

em cada coração de homem e de mulher;

o vírus gostou disso.

gostou de saber o Amor brotar sempre salvo e seguro...

embora isso fosse verdade apenas às mulheres que amassem homens!

e aos homens que amassem exclusivamente mulheres!...

contei ao vírus que a noite que ele trazia não estava bem

porque entre nós

reinava a cultura da Vida e do Perdão

(oh Jesus!)

e que nenhum entre nós celebrava a morte,

fosse de herói ou bandido!

nós éramos altruístas... e justos... e sensíveis...

e não crucificávamos ninguém.

(nós éramos assim, não éramos?)

falei ao vírus que as nossas autoridades eram respeitosas

e responsáveis

e que não se trocavam por suborno

e por isso boate não pegava fogo

e nada explodia

e o alimento não estava envenenado

e nenhuma barragem se rompia porque tudo era bem fiscalizado

e a ganância e a indiferença não falavam mais alto...

então o vírus

que havia escutado a tudo com atenção

pediu que eu enfim me calasse

virou-se em silêncio profundo e foi embora...

Ah, pobre vírus!

foi incapaz de ver o que nós vemos!

e diante da minha justa defesa da nossa sociedade

certamente adoeceu-se de inveja do Homem!

Dowg G
Enviado por Dowg G em 29/03/2020
Reeditado em 29/03/2020
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