VÍTIMA DE OUTRAS VÍTIMAS
Todo dia o homem compra
satisfeito o jornal
e logo corre
na página policial,
procura a notícia
extra, sensacional,
quer saber quem morreu, quem matou,
quem sofreu, quem se salvou,
quem foi preso e quem escapou.
Todo dia ele pega o jornal,
lê com muito prazer
do cotidiano de nós todos
a novela real
e ri, se emociona, às vezes,
até chora
e comenta
e lamenta
o lamentável desastre, o assalto,
o crime, a vítima fatal.
Já não mais importa
os assuntos econômicos, a política,
o esporte e coisa e tal.
Aliás, tudo agora, também,
virou matéria
da página policial:
a exploração, a corrupção,
a politicagem
e as ocorrências em geral.
Um dia, como de costume,
o homem compra o seu jornal
e todo satisfeito vai
na página policial
mas, dessa vez, perde a graça,
decepciona-se, afinal.
Não há assalto, não há violência,
não há acidente,
nenhum fato mortal...
Ah, ele aí se revolta,
protesta, reclama, desabafa:
"isso não é jornal!"
porém, logo percebe
algo curioso, fora do normal,
É TRÁGICO! - espanta-se:
o leitor que ele era
(nunca, nem imaginou em tal)
tornara-se, na verdade,
um dependente,
uma pobre vítima,
da página policial.