ANTIDIÁRIOS DE ABRIL XII
XII
O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
João Cabral de Melo Neto
Estou imerso entre o véu estanho e alizarina da madrugada.
O vento arrasta os vultos da rua vazia e produz uma sonata
isolada — o vírus vai e vem e volta e surge na urbe apagada.
Vejo as luzes brancas do prédio e a alegria forçada das lives
— cada qual na sua casa e todos parados na fila do marasmo.
Estendo este poema sobre o meu varal fino de arame farpado
e pregadores de umbigo. Vou até a porta para ver quem anda
no silêncio paralelo dos ouvidos gelados das horas atrasadas.
Leio João Cabral: O Mar e o Canavial. Declamo em voz baixa
a geórgica da cana. A aurora é um cetim roxo que desmancha
o horizonte — traduzido na olaria da manhã que se derrama.