Quarentena

Antes da quarentena,

eram apenas pássaros.

Com o tempo, comecei a reconhecer

um trio de rolinhas

uma sabiá na árvore

um casal de cabeça-vermelha

e um grupo de bem-te-vis

que olhava pra mim e cantava

como se zombasse da minha prisão.

Passados vinte e sete dias ininterruptos,

não deixei de reivindicar rua

e, por isso, todos os dias à tarde

sou encarado pelo mesmo grupo de bem-te-vis.

Aí, eu me pergunto:

quando é que alguém preso

deixa de fazer essa reivindicação?

Na falta de teorias antropológicas

e de psicologia à mão,

arrisco:

é quando deixa de (ou não lhe deixam) reconhecer

os pássaros na janela.