Lendo a Árvore do Mal de Guerra Junqueiro

Com singela impressão, e sozinho, e pateta,

brincando com vespeiro,

um jovem pôs-se a ler poemas de um poeta,

que era Guerra Junqueiro.

Houve um especial, daqueles todos lidos,

"A árvore do mal",

que lhe foi mais feroz, com os versos polidos

e a mensagem fatal.

Fechando o livro, então, com olhar à janela,

pensou que estava certa

a ideia e lagrimou, porquanto era mui bela

e o belo sempre acerta.

Com grande contrição, desejou um Senhor

que fosse mais amigo,

possuísse razão, falasse de amor,

por quem fosse querido.

Desejou um Senhor que mostrasse Justiça,

fizesse sua parte,

não deixasse falar um pecador na missa

em nome do estandarte.

Um Senhor que na cruz, ou que no cadafalso,

surgisse derradeiro

para salvar o bom e rechaçar o falso,

como herói feiticeiro.

E esse jovem sem paz lamentou a ambição

de todo o clero horrível

que se usurpou da fé do mísero vilão

com jura irresistível

de uma terra no céu com estradas doiradas

nas quais eternamente

unidas andarão as almas de mãos dadas

numa existência quente.

"Mas, Junqueiro, sem Deus ninguém mais come o fruto,

ninguém sabe onde está;

nenhum de nós possui da Verdade o usufruto,

nosso Olimpo não há.

O sábio hoje jamais conhecerá a censura,

não há corda de linho;

o mundo diz: 'Vai lá, doutor, tenta, procura!',

porém não há caminho.

Existe informação no bolso de cada um;

digo literalmente,

ó Junqueiro!; porém entendimento algum

alcançou nossa gente.

E quem provou do mel do fruto imaginário,

com ele envenenou-se!

Ainda é mais viril, soberbo, extraordinário

aquele que enforcou-se!"

Dito isto, Deus sentiu piedade do rapaz

e desceu do céu sagrado

para clarificar que o bom Senhor jamais

deixa o desamparado.

"Olha a volta e me diz: que despotismo existe?

Mal na vida foste à igreja...

A mim, golpe nenhum jamais me desferiste,

não existe peleja.

Não exijo que vás à casa de tijolos,

sabes que a casa és tu.

Eu quero ver brilhar e ser feliz teus olhos,

a ti o Senhor é nu.

Desejo nada mais do que a bondade terna;

Junqueiro estava bravo,

mas hoje goza a paz, no paraíso eterna.

Sou do perdão escravo."

O jovem, triste, diz: "Ó Junqueiro sem guerra,

tua causa está morta.

Nós expulsamos Deus de nossa estéril terra,

mas a fé segue, e torta."

Homens, dizei então a Jeová: "Piedoso,

socorre-nos de nós;

não te curves ao sórdido ou ao desejoso,

e levanta-te a voz."

22, 23/04/2020

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 23/04/2020
Reeditado em 02/01/2022
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