SOBRE O CORPO E O TEMPO

Teu corpo é casca e natureza

É o elo físico com o mundo

Ele é cada vez mais só isso

A soma de braços e pernas

Que por hora se têm funcionais

Uma resposta à aridez do tempo

Impossível traduzir os riscos

A qualquer momento, mesmo agora

Escrevendo essa poesia

essa máquina de um metro e pouco

pode de repente parar

a despeito de projetos, sonhos

e o que for

Ainda assim você segue

Com ilusão de infinitos

Conta os teus dias

Apaga velas de aniversário

Recebe algum aconchego

Distrai-se com futilidades

Espera deixar uma obra?

Canta o nome de família?

Supõe-se alguma beleza?

Mas não há nada de singular

É só materialidade e cansaço

Que respira sobre um esqueleto

E por sinal cada vez mais fraco

Come mais que precisa

Mexe-se menos que deveria

Sonha em ser outros

Quem sabe o herói do filme

Que salva o mundo

Entre um comercial e outro

Em que as balas só pegam de raspão

Não, em ti até topadas são mortais

Unhas encravadas te paralisam

Porque és real, estás num corpo

És essa feição bruta

Que pode não ser a ideal

Pode não estampar revistas

Mas é a tua

Aprenda a gostar dela

No tempo e no espaço

Aprenda a existir.