RAPSÓDIA PARA UM SENHOR DE BARCAS E RIOS

O rio, santuário andante

fascina, atrai e trai

espírito em movimento

vivenda de vida e morte

um mundo, um mundo em si

une, divide, divino

por vezes calmo, sereno

por outras se atira rude

estravasando as barrancas

na prazeirosa volúpia

de fecundar as planícies

para as lavouras de arroz

Fora bem mais que um irmão,

do rio, fizera um amigo

sabia como ninguém

pesqueiros, vaus e peraus

monge de rumos e remos

tinha tino, tinha o dom

de entender os mistérios

das vogas e grumatãs

no seu diário mister

de buscar por guavirovas

pitangas e guabijús.

Entendia quando e porque

o verdor da mataria

se revestia de adornos

ao mutar das estações,

e o florir das corticeiras

quebrava a monotonia

das cores e dos perfumes,

festim de flores e frutas

prá gurizada ribeira...

invasão nos fins de tarde

prá pendurar em caniços

a prata dos lambaris.

Barqueiro, sábio, profeta

transitava ao natural

pelos caminhos costeiros

segredos de mato e rio,

rude ciência primitiva

de observar ao redor.

O vento empurrando o rio

águas girando moinhos

moinhos rodando rodas

rodas movendo a vida

nesse estranho labirinto

entre o viver e as visões.

No barro, princípio e fim,

pesado e lerdo monjolo,

o tempo sempre a rodar

lentamente seus ponteiros

girando ao sabor do vento,

bordara entalhes perenes.

Buscara sempre a consciência

da relação homem - tempo,

sabia um mundo à montante

um outro no rio abaixo

distância ... rio se esgueirando

saudade ... a curva do rio.

Vira diluir-se ao longe

amores em desencanto

ilusões de melhor vida

campeiros em retirada.

Muitos sonhos viu voltar

desandando derrotados,

deserdados desamados,

outros, sumiram, se foram ...

estradas também são rios

travessia,caminhada

invisível Aqueronte

por onde a vida navega.

Certo dia, hora incerta

brotou do meio da bruma

quase fantasma silhueta

barco e barqueiro esperados.

Aquele que cruzou muitos

compreendeu a hora grande...

cruzaria o rio de sempre

agora por derradeiro,

pois, temprano percebera

remo firme, rumo certo...

o rio é filho do tempo

o homem está de passagem.

moises silveira de menezes
Enviado por moises silveira de menezes em 11/11/2005
Código do texto: T70075