Recomendações ao caminhante eterno
Vai, leva daqui o teu corpo,
Morto.
Carrega tuas larvas sequiosas
da vida que se agarrava
ao teu periósteo.
Cospe a hóstia que já
não desce mais ao teu estomago vazio,
[apenas dança entre
tuas mandíbulas desdentadas.
A comunhão acabou.
Não dobre teus joelhos gastos,
carcomidos pela reza e
pelos passos.
Agora é o tempo em que se
recolhe, longe das pessoas
viciadas em suas arrogâncias,
sentadas em suas mobílias de fome e miséria.
Devorando o peru de Natal de cada dia.
O peru da gula.
O peru do apetite.
Da vontade (que não) sacia.
Vai, Morto, some daqui
com esse corpo vazio e torto,
esburacado pelo apetite alheio.
Arrasta pra longe essa coxa rasgada
pelas dentadas de um rato inocente.
Agora você é matéria,
carniça, pus repugnante,
verdadeiro.
Só antes é que era gente.
Desapareça daqui, Morto!
Com esse olhar de orbitas secas,
não mais absorto.
Leva contigo esses ossos,
essas vísceras, o trapo
roto que chamaste pele.
Morto, desvanece.
Pois todo desfigurado, assombroso,
excretando essa carne putrefata,
sorrindo o sorriso que lhe falta,
está melhor do que aquele
que aqui permanece,
deitado em seu divã de vida farta.
Oblitere-se, Morto!