LEMBRANÇAS DOS MEUS TEMPOS

Lembro bem dos tempos em que fui estivador,

com cargas pesadas nas costas indo pra todo canto.

Lembro bem dos tempos em que fui açougueiro,

cortando e trucidando carnes sem dó.

Lembro bem dos tempos em que fui cego,

tateando o ar pra dar o menor passo.

Lembro bem dos tempos em que cumpria pena,

ficando recluso numa fria cela isolado do mundo.

Lembro bem dos tempos em que fui Deus,

com as certezas de que era o criador de tudo e de todos.

Lembro bem dos tempos em que fui barata,

fugindo de ser esmagado por chinelo qualquer.

Lembro bem dos tempos em que fui vento,

usufruindo da liberdade absoluta de ir pra onde quisesse.

Lembro bem dos tempos em que fui salva-vidas,

tirando gente dos braços da morte a granel.

Lembro bem dos tempos em que fui poeta,

brincando com as palavras sem medo.

Lembro bem dos tempos em que fui grão de areia,

tendo toda certeza de que não era melhor que ninguém.

Lembro bem dos tempos em que fui desejo,

atiçando minha alma toda hora com furor.

Lembro bem dos tempos em que fui velho,

sentindo cada teco do meu corpo esmorecer pouco a pouco.

Lembro bem dos tempos em que fui privada,

só servindo pra receber dejetos e nada mais.

Lembro bem dos tempos em que fui Everest,

com todos fazendo o máximo pra chegar no meu topo.

Lembro bem dos tempos em que fui bobo da corte,

podendo fazer o que bem entendesse, onde quisesse.

Lembro bem dos tempos em que fui beija-flor,

e assim descobri que era feliz e sabia bem disso.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 22/07/2020
Reeditado em 22/07/2020
Código do texto: T7013140
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