NÃO LEMBRO
Não lembro qualquer palestra à mesa do chá,
discutindo confiante a poesia de Pessoa
ou a filosofia nietzschiana.
Não lembro anedotário ou aventuras pueris
repetidas em brindes de estudantes;
nem ter visto peças clássicas
ou solfejado canções tradicionais.
Não lembro ter proferido discursos inflamados,
defendendo um gesto heroico à mercê de martírios
nem ter participado de qualquer fato
digno de raras linhas, mesmo em folhas policiais.
Não lembro uma vileza sequer,
uma cobardia, o ato infeliz de fugir
da zanga de uma marido traído
com os sapatos às mãos
e as calças arreadas.
Não lembro nada que tenha o espírito absorvido
para revelar “como e porque me tornei poeta”
e mereça constar em futuros acervos literários.
Não lembro riachos com águas cristalinas,
aflorando das fontes ou florestas apinhadas
de pássaros canoros alimentados às mãos
de donzelas perdidas à cata de príncipes.
Mas trago à lembrança e muito bem
como a vida passou breve
e como pouco me esforcei
para poder dizer das emoções que tive
“Ah! como me lembro...”