Para Manoel de Barros III

Deixei uma ave me amanhecer.

Manoel de Barros

Manoel acordou cedo.

Foi até o portão

e pregou o letreiro

pintado a dedo:

Aceita-se entulho para o poema.

As pessoas do Branco vilarejo,

riam dele:

- Velho louco,

bebeu tantas palavras

que não dá conta do desassossego!

Manoel nem aí.

Sabia da entrelinha das coisas:

- Tudo é matéria para poesia

e cuidado onde pisa!

Era o que sempre dizia.

Chegava sorridente,

lá pelo meio-dia,

na bolsa de estopa suas relíquias:

Uma lata com gotas de sol,

Duas cascas de cigarra beijadas de orvalho,

Uma concha brilhando visgo e lesma

e muitas outras coisas passarinhais.

Assim Manoel seguia

seu sacerdócio ou profética sina

de arrancar de dentro do nada

a mais bela poesia.