Enquanto há noite

Não me chame

Não me chame

Não quero acordar...

Deixe que a noite siga o seu curso a me acalentar,

Pois que o dia é tão pesado.

Há homens morrendo de fome no mercado;

Há amigos meus desempregados;

Há meninos e meninas nas praças e ruas vendendo os seus corpos;

Há drogas em cada esquina...

Não se aprende mais nas escolas,

Não se tem mais famílias,

Não se sabe de nada

E ainda assim, há senhores despreocupados, rindo a toa, com mesas fartas sob o sobrado, ao redor de seus discípulos, contando os seus papeis.

Não me chame,

Não me chame...

Não quero mais acordar

Deixe que o sol nasça sem mim para chorar,

Pois que em toda a cidade não há quem se importe em lutar em prol da sociedade.

Não, não me chame,

Não me chame,

Não quero mais olhar o rio seguir envenenado,

Os animais e as matas queimados,

O ar poluído totalmente pesado e as crianças sem lugar para brincar.

Não me chame, deixe eu dormir...

A noite é tão pouca,

Essa guerra urbana é louca

E tenho pressa em aproveitar, que a luz não está em cima de mim.

Enquanto a dor tapa a boca maldita,

Enquanto a miséria cobre os meus pés,

É no sonho, que não tenho reves e que encontro um pouco da paz.

Não me chame

Não me chame...

Não há trabalho ai fora

Deixe-me morrer aqui...

Eles se dizem civilizados,

Dizem-se humanos, mas não passam de recalcados.

Ainda não se encontraram,

Porque não sabem dividir o que tem,

Pensam que vão levar suas coisas para o além,

E assim deixam sem qualquer assistência os filhos da pátria,

Deixam morrer quem realmente são os reis.

Não me chame

Nem me acorde

Por favor, não deixe que eu nasça,

Nessa desgraça... Como explicar aos meus filhos democracia...

Sem essa devida liberdade.

Alberto Amoêdo
Enviado por Alberto Amoêdo em 23/10/2007
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