A GEOGRAFIA DA FÚRIA

Chão verbal,

campos de sóis pulverizados.

As asas da vida aqui se desfazem

e mais puras regressam.

O mar lapida os trabalhos

de sua solidão

A palavra erguida

vigia

acima das torres

o terreno ganho.

Flores diurnas, minhas feras,

estas são as máquinas do voo

A pele do corpo

se incendeia

em vosso inferno verdadeiro.

Eu te violento, chão da vida,

garganta de meu dia.

Em tua áspera luz

governo o meu canto.

Sobre a poeira dos abraços

construo meu rosto

Entre a mão e o que ela fere

o pueril sopra seu fogo

Oficina impiedosa!

Minha alquimia

é real

Na minha irascível pátria

o perfume

queima a polpa

Nos fundos lagos o dia move

seus carvões enfurecidos

O silêncio sustenta caules

em que o perigo gorjeia.

As rosas que eu colho

não são essas, frementes

na iluminação da manhã;

são, se as colho, as dum jardim contrário,

nascido desses, vossos, de sua terrosa

raiz, mas crescido inverso

como a imagem nágua;

aonde não chegam os pássaros

com seu roubo, no exasperado coração da terra,

Um fogo sem clarão criam as flores desse chão.

Enquanto girassóis faíscam na esquina

Capturando sombra em fogueiras de pólen

Adormeço

Enredado em vestido de sol

Percorro os salões encerados do breu

E me separo de uma noite horrenda

Para na alvorada

Me casar com uma manhã que entenda

Bebo o barulho da chuva

Amor que morde a nuca

Beijo mesmo o chão

Como forma de oração

Acho que dói

Acho que dá prazer

Acho que ajuda a escrever

David Leite
Enviado por David Leite em 16/10/2020
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