OITAVAS SERTANEJAS
(do meu livro "Poéticas", 1986)
"ao meu pai, Sebastião Rabello Pimentel (†)"
***
A tarde desce
calma e quente
o ouro dos raios do sol
reflete no espelho da água corrente...
os animais param de correr
o campo fica só
ponteia na viola o sertanejo
sua vida de luta e pó...
As aves se amontoam
nas tenras árvores ninhais
cantam grilos e cigarras
nos espessos matagais
lentamente vem a noite
desponta orgulhosa a lua no céu
entre estrelas e outros corpos
que brilham no monótono breu...
Paz - o silêncio é quase total
dorme o sertão velho de guerra
num último dedilhar o sertanejo
faz prece à Maria pra que olhe por sua terra.
estende a rede na varanda
põe-se a pensar na vida e adormece
e com um amor distante
a sonhar - suponho - a solidão esquece...
Madrugada - a lua do alto contempla
assovia o cândido e perfumado vento
mansamente o orvalho fresco cai
molhando no chão, as flores ao relento...
um barulho se ouve ao longe
a despertar a euforia do arrebol
é o rio que desliza feliz entre as pedras
que canta ao sentir os afagos primeiros do sol.
É manhã - canta a bicharada
perfumes e cores se misturam na viração
parte com o carro-de-boi o sertanejo à luta
que canta também, num feitio de oração...
e são tantos os buracos e o pó da estrada
tantos quanto os sonhos do sertanejo afoito
e nem o céu e a terra juntos suspeitam
que a esperança às vezes é o seu maior açoite...
O dia passa rápido
e dá lugar a um novo entardecer
os pássaros fazem revoadas aos seus ninhos
logo outros bichos irão também se recolher...
Observa em silêncio esse círculo vicioso
o sertanejo com a alma cheia de pó
vem dia vai dia, vem noite vai noite
só não vai a dor que habita em seu peito só...
Pega na viola confidente
tece com fios de poesia, uma renda musical
toma nas mãos a pena amiga, escreve versos
descreve sua vida e sua luta campal...
reza à Maria sua prece sentida
agradece por mais um dia e se deita
de repente a chuva fina, vem molhar seu telhado
e sua alma cansada nesse enleio deleita.
Logo a bicharada anuncia em tom festivo
outro dia que desperta sorridente
aos poucos, tudo acorda no sertão
e a luta recomeça - invariavelmente...
se prepara o sertanejo - esse forte
sai para o campo com seu rouxinol
e só regressa agora ao cair da tarde ...
é a vida do sertão - cantoria, luta e pó...