PELAS RUAS AS PEDRAS
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
Pelas ruas as pedras
não sabem que são pedras
até que se encontram
por acaso, na dor...
Pelas ruas as pedras
não são pedras, são ais...
Mas pedras pelas ruas
cumprem em silêncio
o destino de serem insensíveis
às dores do mundo
As pedras pelas ruas
são por si sós, ais...
Pelas ruas as pedras
experimentam
o abandono e a sorte
de serem cruéis...
Pelas ruas as pedras
se compadecem em ais...
As pedras pelas ruas
se confundem
com as penas dos
homens que lutam...
Pelas ruas pedras
e homens se somam em ais...
Pelas ruas as pedras
assumem
todas as culpas, intolerância
e ignorância dos tolos...
Pelas ruas as pedras
e os tolos se traduzem em ais...
O Supremo, da pedra
tirou água para os sedentos
Da pedra fez abrigo
para os que sentiam frio
Na pedra deitou a lei
para sua criação
E os homens se fizeram
pedras por si mesmos
e se prostraram diante
do próprio egoísmo
e se tornaram mais duros
que as próprias pedras do caminho
Pelas ruas as pedras
se conservam fiéis ao que são
e os homens, pisando-as às cegas,
mostram o que são...
Pelas ruas as pedras
e os homens são cúmplices de seus ais...
Pedra sobre pedra
em selva de estupidez
Quem se pode salvar
ante a insensatez?
Quem, fera de si mesmo
não devora seu destino
Não fere seu companheiro
vivendo em desatino?
Não fica gravada na pedra
a última aventura do homem?
Estranha essa relação:
talhamos nossa pedra
e nela nosso nome.
Por fim, vira página de livro,
cuja história de profunda ironia
Nos fala de esquecimento
ao calar nossa rebeldia.
E que lição tiramos de tudo
isso a que chamamos "missão"
se temos a mente adormecida
e nossos pés não percebem
as pedras do chão?
As pedras pelas ruas
confundem nossas incertezas
Nos impõem limites,
pois conhecem nossas fraquezas.
As pedras castigam
sem remorsos e devolvem
o mesmo tratamento
Misturando nossas vaidades
todas, no concreto do esquecimento...
As pedras pelas ruas
nos falam através de sinais
das duras penas da vida
apesar do carnaval e tudo o mais...
E assim nos esbarramos,
tropeçamos e nos misturamos
Às pedras silenciosas
e pacientes e indiferentes do chão
Que entram a todo momento
em nossos sapatos e em nossas almas
e distorcem as rimas do poema,
que queria apenas ser canção...