VERSOS
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
Há quem os faça como se faz amor
se entregando com toda força à palavra
delicadamente, demoradamente
como se fosse a última vez.
Há quem os faça como quem se entrega
numa volúpia desmedida
desgarrada da moral, sem culpa nem pudor...
Há quem os faça como quem acaricia
o seio da mulher amada
em sensuais insinuações...
Há quem os faça como quem
vê a vida como pura curtição
na base do vale tudo
onde o que mais vale mesmo é a intenção
e pouco ou nenhum uso faz do coração...
Há quem os faça como quem chora
melancolicamente, desejando a morte
passando-se por vítima de tudo
e sua dor, ninguém consola...
Há quem os faça como quem caça borboletas
pegando no ar tudo que se move
tudo que encanta, tudo que envolve a alma
e eleva o pensamento à Deus...
Há quem os faça como quem projeta uma casa
tijolo por tijolo, pedra por pedra, ponto por ponto
tudo bem medido, esquematizado, complicado
Há quem os faça como quem faz bordados
num traçado indefinido, solto, lírico...
modela e remodela o mesmo tema
seguindo descuidadamente invisíveis caminhos...
Há quem os faça como quem ri
como quem luta, como quem se nega
como quem se perde em si ou na rua ou no outro,
como quem se procura no outro, na rua, em si...
como quem se acha, se fecha, se violenta,
se abre, se mostra e deseja não ser
não estar e se cala...
Serão meus tristes versos
desculpas pelas lágrimas não choradas,
protesto às vozes caladas,
conforto às almas errantes
doces mentiras, amargas verdades
ou simples anotações sobre esse tempo
louco varrido e cruel, áspero e velho
e sem jeito em que vivemos e nos danamos?
Que são meus versos afinal?
Rápidos estudos da vida
de onde eu posso concluir que sobreviver
pouco ou nada tem a ver com conviver?
Ensaios de solidão,
onde a necessidade do nós
dissolve o Ser à medida
que este percebe que não está só?
Serão como poeira nos olhos
no exato momento em que a lágrima cai?
Serão fragmentos de amor?
E o que é o amor senão simples
fragmento na história da humanidade?
Resto de tudo?
Abundância de nada?
Esse tudo e esse nada que aprisiona os homens
em seus carros, em suas oficinas,
em suas fomes e leis, em seus papéis...
Pelo muito e pelo pouco que possam elucidar sobre a vida
meus versos afinal que são?
Pode ser que meus versos venham a ser talvez
coisa de quem não tem nada por fazer...
E isso eu atribuo ao vazio das relações do homem consigo
mesmo e com a sua semelhança com o seu Criador.
A desigualdade desse mundo miserável
de ricas ideias e muitos ideais e soluções fartas
para nada e para ninguém...
E o que se faz, quando nos olhamos e nos questionamos
sobre as queixas e as ansiedades?
Até quando, até quando haveremos de permanecer
presos e amordaçados em nossas imperfeições,
em nossas covardias e até quando viraremos o rosto
para não vermos nossos pés tortos e nossas mãos injustas?
Em nós o ridículo, nada tem de ridículo.
Mas os versos...
inversos
controversos
versos versus versos
perversos
provérbios...
inventam horizontes
instituem solidões
recriam amores
renovam esperanças
reforçam amizades
rompem barreiras
desafiam distâncias
definem tempo
revelam ou guardam segredos
verdades, mentiras
profanos sacrossantos...
Nos fazem pensar
sobre o que somos
de onde e porque viemos
e até onde podemos chegar.
Há versos que são
lições de vida.
Mas não devemos viver
como quem faz versos
pois, nem todos têm
jeito para isso...