NÃO JULGUES MAL O POETA, SENHORA
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
Não julgues mal o poeta, senhora
Que tão triste - sem consolo chora
Doloridos ais - fados horríveis...
Que a vida cruel no peito lhe pôs
o germe vadio do amor atroz
A flor do mal de atos imprevisíveis...
Não rias, pois teu riso pra ele é morte
Basta a dor que lhe reserva a sorte
De ser no mundo um ser solitário...
Não digas sequer palavra amiga
Pois vais mesmo aumentar a ferida
Que tanger-lhe a alma - furtivo fadário...
Não vence o bem, o mal pela espera?
O inverno não cede à primavera?
Não chora o céu pra que o sol se vingue?
Bem, sua dor também é passageira
Ninguém é infeliz a vida inteira
co'o tempo, tudo que é ruim se extingue...
O poeta, senhora, é um astro errante
Sua vida é por demais inconstante
Qual não é, o vento nos cabelos
Sua dor, inventada ou não, é um dom
De mostrar que em tudo há um lado bom
Que os males, cabe ao tempo, vencê-los...
Mas não te impressiones, nem te enganes
Co'a lágrima - débil gota a fluir
Desses olhos tristes, olhos mouros
Olhos que sabem tão bem mentir
Pois triste é o poeta que não chora
Seus vãos queixumes, seus vãos lamentos.
Como a ave canora a piar nas matas
Tem no sofrer seu contentamento
Não sabes que o pranto é um artifício
Que usa para aprimorar seu ofício
Nas horas mortas sem companhia?
Não julgues mal o poeta, senhora
Que tão triste e sem consolo chora
Pois que enquanto chora, faz poesia...