SAUDADE, QUEM ME TRAZES?
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
Saudade, quem me trazes?
Que épocas, que nomes, que lugares?
Quem por ti me manda notícias
Que desperta em mim antigos presságios?
Quem por ti se faz presente
nessa incalculável distância
nessa indefinida ausência?
Eis que vivo pensativo
Isolado por minhas convicções
Cativo por minhas angústias
E por só, me conheço há muito tempo
Que nem me lembro de ter dividido
O mesmo tempo e espaço
o mesmo pensamento e o mesmo querer
com alguém em algum lugar
de minha vida...
Tu podes mesmo ver
O ambiente calmo em que vivo
Com meus medos, minhas flores
meus sonhos e meus livros...
Com o sol me levanto e com a lua me deito
Nem canção eu canto pra não perturbar
Essa paz que me vem acalentar antigas dores...
Pois que me bastam, o cantar dos pássaros,
as cigarras e as ondas do mar...
Então saudade, por que fazes
à minha porta, essa algazarra
essa desmedida serenata
nessa tão fora de hora e inesperada visita?
Posto que tenho que ficar revirando uma a uma
as páginas do meu passado, reabrir as gavetas
de invisíveis armários
Procurando por uma evidência que seja,
um nome, uma foto, um rosto
ou uma data qualquer que indique
algum aniversário...
Vá embora! Já perdi o meu sossego.
Que o orvalho da noite já inunda
minha mente e a brisa da manhã
perturba minha alma e agita e arrasta
pelos ares meus castelos de areia,
minhas casas de faz-de-conta, jardins de estrelas...
Não vês que inútil te fizeste
e que não há lugar nem travesseiro algum para ti
neste meu abrigo?
Levanta-te e sigas esse vento
cambaleante, esse trem de impossíveis trilhos,
esse rumor de caladas vozes...
caminho sem volta...