O POETA ESTÁ SÓ
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
O poeta está só
em seu campo de estrelas e histórias
serviçal do tempo...
Testemunha do invisível
e do imprevisível
incompreendido, em meio a palavras e pó,
esconde sob espessas lentes
o cansaço de carregar durante anos
as dores de uma vida...
Abatido, se apoia em lembranças
de antigas cartas, fotos, livros...
conversa em silêncio com antigos amigos,
irmãos em penas
que já se foram a brilhar em outras constelações
e com eles, revive as infindáveis prosas
causos da sapiência mineira
num diálogo espiritualmente saudoso...
O poeta está só
e observa o mundo pela janela.
Um mundo tão diferente e distante do seu
e ao mesmo tempo tão seu, tão familiar
e sente que o suporta
porque é necessário...
O poeta e seu tempo - imagem do passado
dos bondinhos e lampiões
das calçadas elegantes
serestas ao cair da tarde
jardins praças e poesias...
Esse tempo, ausente do calendário
mas tão conservado no seu dia-a-dia
põe por terra os conceitos e valores das coisas
desse tempo de agora - tempo de caos
que o poeta custa a decifrar
e entender... Ele parece alheio...
O poeta está só
e espera uma visita (não de amigos vivos
ou de gente interessada em saber (do poeta)
qual a dor que traz o doce sentido da vida...)
e para ela se prepara todos os dias
com total desprendimento
com um sentimento de missão cumprida
num ritual de sentar-se
em sua poltrona e ler seu jornal sem pressa
beliscando umas torradas com chá...
O poeta está só
mas não se deixa vencer
pelo tédio nem pelo pranto.
Em sua sala a vida passa
ao toque da máquina - fiel companheira e confidente
e seu olhar distante
reflete lúcido, ecos de suas memórias...
O poeta é por si só
um verso e talvez o mais inquieto
na poesia do universo...
O poeta está só
de incurável solidão.
Indiferente, ele molha as plantas em vasos imaginários
dá de comer ao gato
conta estrelas e com elas confidencia
tira o pó da velha estante
onde guarda todos seus bens
intelectuais e morais,
coisas que ele ainda estima...