Olho nos olhos da minha querida,

Olho nos olhos da minha querida,

penso,

"Meu Deus, o que eu faço da vida?".

Ela me diz

"Nada faça de mais;

"seja você, não simule jamais."

Eu refleti me encarando no espelho,

vi meu olhar e meu lábio vermelho.

Vi meu cabelo, também meu pescoço,

mas não vi sangue, nem órgão, nem osso.

Quando pensei sobre mim, vi memória;

minhas vergonhas e minhas vitórias.

Mas não achei, nem pensando um bocado,

onde ficava meu Eu resguardado.

Nada encontrei no regalo que tinha

quando jogava, comia ou lia.

Nunca bastou-me somente o prazer;

logo, não pode estar nele meu Ser.

Quando pensei sobre o medo, em seguida,

já que talvez contivesse escondida

minha Verdade secreta de mim,

logo pensei, refletindo, assim:

"nunca no medo estará minha essência,

pois se assim fosse, somente plangência

tinha a levar à mulher adorada.

Não!

Eu sou mais do que o medo me fala".

Fui até ela dizer-lhe:

"Mulher,

"nunca acharei a Verdade que quer".

Ela:

"Meu bem, simplesmente persista.

"Seja quem é; não existe outra pista".

Nessa procura, acho que enlouqueci;

penso que essência não há.

Nunca a vi.

Minha existência é não mais que mistura.

Victor, sou eu sua trava criatura?

Não... o meu tronco, ele serve a meu rosto.

Serve somente a esse único posto.

Tenho de ter uma essência, portanto,

mas onde está? Escondeu-se em qual canto?

Muito talvez ela esteja no sonho,

mas digo incerto — somente suponho.

Muito talvez ela esteja no amor;

mas, e se está? Que farei desse amor?

Posso pegar esse amor, brutalmente,

para tirar-lhe o segredo latente?

Posso dizer-lhe, sensato e gentil,

que me revele meu próprio perfil?

Nunca, portanto, terei essa sorte.

Ser sabedor do que sou... só na morte!

"Minha querida, não peça que eu seja

"mais do que alguém que sorri e lacrimeja."

"Ó meu amor, não desejo mais nada.

Essa é sua alma, que eu faço adorada.

Nunca haverá o que seja mais lhano

que limitar-se a ser isto:

humano!"

29/11/2020