A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(do meu livro "Lira Casual, 2000)
Havia um poeta no meio do universo
no meio do universo havia um poeta
havia no meio do universo...
havia um poeta...
havia...
um menino antigo reinando alguma poesia
decifrando os enigmas nem sempre tão claros
do sentimento do mundo, amando antes de tudo
o natural e aprendendo a medida exata
das paixões impuras ainda que brancas
branquíssimas alvíssimas que viciam o corpo
de sua própria nudez...
Esse menino homem observador profeta
acostumado com o avesso das coisas
cheirou o perfume e feriu-se no espinho da rosa
que venceu o asfalto e levou o povo às ruas
para depois reuni-lo em volta da mesa
enquanto ele, oficial absoluto, recitava poemas
e misturava lições de coisas se rindo por dentro no vai e vem
de sua cadeira de balanço
enquanto a bolsa subia
enquanto a bolsa caia
enquanto a bolsa mudava a vida das pessoas
menos sensíveis ao belo e ao simples...
Havia um poeta no meio de nós...
no meio de nós havia um poeta
no meio de nós havia...
havia um poeta...
havia...
havia um homem do seu tempo
presente que reconhecia o passado e o futuro
como o pôr e o nascer do sol,
que passou a vida a limpo,
foi ilha e em si passeou
foi pipoqueiro nas esquinas
e ouviu como ninguém as vozes das cidades...
Viveu os dias lindos e desfrutou do seu poder ultrajovem
de compreender e traduzir os átomos
que se movem no ar...
Havia um poeta...
havia um universo...
havia um menino...
que disse palavras que ninguém ousou dizer
havia um homem de semblante calmo
e de humor raro
que foi todos ao mesmo tempo em sentimento
que foi um na solidão interminável
e insondável de cada um de nós.
Havia um poeta no meio do universo
havia...
Mas seu silêncio precioso
ainda nos grita
farewell...