Língua afiada
Adoço a língua com melaço
Lubrifico meu verbo
Ludibrio os incautos
E quanto mais tentam me calar mais eu-falo
Cansei de ficar calado no meu canto
Afio meu verbo
E falo, falo, falo...
Falo até o talo
Com a língua em estalos
Enfio até o fundo
Penetro no teu tálamo
De pés descalços e cabelo molhado
Úmido, tungido, tépido
Rasgo o véu e me entranho
Feito lâmina cortando o céu
Lâmina afiada e de dois gumes
Corto para os dois lados
Decepo tabus e arredondo quadrados
Lâmina pontiaguda, forjada ao lume
Que resplandece no fogo, amolece
E enrijece ao penetrar na água
E eu queimo, derreto, ebulo
Revolvo-me no fogo que me forja
E me faço em formas: de seta, de anel, de roda, de curva, de boca, de seios, de bunda
E evanesço, acedo ao teu desejo
Ascendo ao alto ionizado
E de repente paro, plasmo
Caio , nem sei se pra cima ou pra baixo
Não sei se é alto ou baixo
Se o céu está limpo ou nublado
Só sei que ainda falo
Mesmo sem boca e catando palavras em cacos
Me refaço, remodelo meu falar, remoldo minha língua
Meu eu-falo
E disparo
Contra muros, contra medos
Arremeto contra falos
Entro e saio de buracos
Uns escuros, outros úmidos, tantos secos, largos, profundos, rasos
Adoço mais uma vez minha língua no melaço
E, lúbrico, lambuzo-me no lácio
Falo, falo, falo