Lugares em mim

Moro em lugares estranhos em mim.

Moro naquela estação de trem vazia,

que ainda ecoa o som das sirenes, mas não passa trem.

Moro na primavera e no inverno,

no contraditório nunca rimado.

Moro em meu próprio solístico.

Moro onde me acho e me acho quando convém.

Também moro onde acho que a velhice diminui as palavras, onde quanto mais envelhecer, menos escrever irei.

Percebo, de logo, que essa minha morada, não passa de apenas um amargo delírio, onde quanto mais envelheço, mais escrevo e mais verbos tenho a produzir, estes, só do meu entender.

Afinal, como se vive um Escritor sem palavras por escrever? Morto.

Moro nos trocadilhos prosódicos,

na música erudita e no rock'n roll.

Na imaginação de viver numa biblioteca repleta de escritos de Bukowski e encontrar composições inéditas de Belchior.

Moro no cheiro de mato quando garoa,

na taça de licor pós-almoço, que me adoça o paladar e aquece o corpo.

Moro na terra da tarde de um domingo azul, onde Alceu compôs "la belle de jour".

Moro num lugar onde penso não mais haver paixão, quiçá amor, e que ambos, as vezes não passam de meras bobagens.

Moro neste mesmo lugar, onde penso que apaixonar-me seria tolice, mas, vez por outra, fito-me apaixonada, decifrando, compondo e amando o amor.

Hei de morar neste lugar até "amor-te" chegar.

De certo, moro em lugares fora do comum, fora do eixo, fora do real, na fantasia de contos, nem sempre de fadas.

Eu moro no vazio, no desconexo, no indecifrável, nas quimeras, no complexo do meu eu.

Sou feita de atalhos, retalhos e saudades.

Eu moro em mim, porém, às vezes, sem mim.

Marinara Sena

14/02/21

Marinara Sena
Enviado por Marinara Sena em 14/02/2021
Reeditado em 15/02/2021
Código do texto: T7184583
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