Ó bom Álvaro, olhai-me, que porradas

Ó bom Álvaro, olhai-me, que porradas

eu levei sem qualquer economia.

Tantas vezes um vil de fés erradas,

tantas vezes um porco! Covardia...

Com efeito, eu fui sujo, indesculpável,

fui tudo o que mais há de reprovável.

Tantas vezes um banho não tomei!

Não por razões de pressa ou de pobreza,

mas por pura inação o sabão deixei!

E, enquanto todos eram, na nobreza,

sabendo o que fazer, o que dizer,

eu pensava, infeliz, no meu lazer!

De quantas alegrias ri sozinho

no meu íntimo pobre por mesquinho?

E quanta gente triste já deixei

dizendo algo infeliz que nem notei?

Riu de mim toda gente que me soube!

Do cabelo, da pança, da palavra!...

E que razão não tinha quem linchou-me

se por vergonhas tudo em mim se lavra?

Meus óculos são baços por sujeira,

meus lábios, poluídos de besteira!

Eu, que o pequeno temo, sou estulto:

qualquer amenidade me condena!

Meu grito não é belo nem é culto,

e, nem querendo, à gente eu causo pena.

Qual curso todos têm, que nesta vida

a multidão jamais está perdida?

A qual aula eu faltei, que eternamente

tornei-me diferente a toda gente?

Qual lição eu deixei, que não virei

daquilo que me cerca um sábio rei?

Ó Álvaro, eis vosso humano no mundo;

eis vossa gente, eis vossa companhia!

Um ridículo mais e mais profundo

passarei me exibindo a cada dia...

Estivésseis aqui, poeta grande,

com a vossa existência que se expande,

ah! O que vós, porém, já não faríeis

sabendo que sois tanto, e que risíveis

são meus versos à gente que vos ama?

Seríeis vós um astro!!! Eu, um drama.

10/03/2021

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 10/03/2021
Reeditado em 13/01/2022
Código do texto: T7203253
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