ESCRAVO DO TEMPO

João da Hora,

relojoeiro,

o ano inteiro.

Do sobrenome

ao seu ofício,

no frontispício

de cada relógio,

no tempo ora consertado,

o seu negócio,

na noite insone,

ele vai sendo escravizado.

Desperto, guarda

o minuto, o segundo

no fundo do coração

de cada engrenagem

só, na madrugada!

No tic-tac do mundo,

como por devoção,

sem ter nenhuma pressa

como uma sagrada prece,

um ritual de passagem:

ele ajoelha e ora

e venera sua hora,

todo tempo que ele tece.

Falta-lhe na cronologia,

ser dono do horário

distante do algoz,

senhor da razão,

da sua escravidão

e de toda sua fantasia

que o trabalho

lhe arranca da voz.

Sempre no aniversário,

promete parar a servidão,

desse eterno conserto,

virar regente

fazer o terno concerto

para a namorada

que ainda espera,

entediada,

impaciente,

pelo "seu hora",

pela sua hora,

pela permissão do tempo

inclemente!

Leonardo do Eirado
Enviado por Leonardo do Eirado em 24/04/2021
Código do texto: T7240077
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