PASSAGEM

em janeiro

agosto

ou num oposto

qualquer

Chronus

sucumbe

empoeirado

na ampulheta

a contragosto

percebemos

nas cinzas

do tempo

o placebo

da utopia

sentimos

então

que algo

definitivo

interrompe

o curso

mágico

das coisas

não há

volume

para memórias

nem acordo

futuro

no azul-escuro

do céu

a pena

suspensa

da lua nova

veleiro

em derradeira

viagem

desenha

o poema

da despedida

o desígnio

é urdido

lá no templo

dos mistérios

onde uma tecelã

atroz

inexpugnável

unhas

alongadas

sem contas

à esperança

interrompe

o seu fiar

ao arbítrio

ela detém

a roda

da fortuna

e corta

a fibra delgada

que sustenta

nosso frágil

mundo

nem aos deuses

a tecedeira

do destino

concede

indulgência

concluído

seu decreto

oficiais

da sorte

correm

a confiscar

graus

paramentos

até sentimentos

perdemos

sentidos

símbolos

ficamos nus

no vão

inútil

da realidade

após o traslado

a barca

de Caronte

desliza

indiferente

na gelidez

do caminho

e desaparece

nas brumas

do rio

sectárias

da carne

moedas

cobrem

olhos

adormecidos

a frialdade

dos metais

é o tributo

exigido

ao barqueiro

esquecidos

do passado

despojados

do presente

cabe-nos

vagar

em silenciosa

ignorância

entregues

ao íntimo

da omissão

seguimos

a lugar nenhum

como se nunca

tivéssemos

existido

de tudo

faz certeza

a tímida

e dispersa

luz

que desce

das estrelas

sobre

a monolítica

e taciturna

incompreensão

a tudo

sanciona

o abismo

insondável

do esquecimento