AS COLUNAS DE HÉRCULES / EBULIÇÃO

As Colunas de Hércules 1 – 2 maio 2021

Esta história das façanhas herculanas

Tem mil detalhes e contradições;

Para os Helenos ele era um semideus

E os poetas assim o interpretavam,

Idêntica concepção tendo os Romanos

E como ocorre em tantas religiões,

Mil pormenores eram criados pelos seus

Adoradores que assim mais o veneravam.

Basta lembrar que de trezentos santos

A permanência abalou João Vinte e Três,

Por não ter provas de sua existência

E muito menos de sua intercessão;

Mas adorados nos mais obscuros cantos,

Já Paulo Sexto um ato oposto fez,

Permitindo venerar-lhes a potência

Nesses locais de maior aceitação.

As Colunas de Hércules 2

Se entre nós tais problemas ocorrem,

Havendo um santo a proteger cada cidade,

Não é de admirar que esses antigos

Assim honrassem as suas próprias tradições.

Os habitantes de Cádiz então recorrem

A uma lenda a que dão veracidade:

O rei de Tyro, de oráculos amigos,

Recebeu ordens de lançar as fundações

De uma colônia junto a tais pilares

E por três vezes a empresa foi tentada;

A primeira expedição então julgou

Serem os de Alyle e Kolpe tais rochedos

E a aldeia de Exitani junto aos mares

Foi a primeira então a ser fundada,

Mas a colônia nunca prosperou

E o rei de Tyro foi buscar pontos mais ledos.

As Colunas de Hércules 3

A segunda expedição foi a uma ilha

Além do estreito, que Onoba era chamada,

Fundada aldeia um tanto miserável,

Mas ainda mencionada por poetas;

Só a terceira de Gades achou a trilha

E ali a cidade com sucesso foi fundada,

Existe ainda esta Cádiz memorável,

Restos de um templo a Heracles nas aletas

Do cabo oriental, junto à baía,

Erguida a cidade no cabo ocidental.

Existe quem duvide, no entretanto,

Eram os Pilares de Chronos tais penedos,

Mas outro nome logo o seguiria,

Os Pilares de Briareu, ser sobrenatural,

Com dezenas de braços e só ao final

Chamaram Pilares de Hércules aos rochedos.

As Colunas de Hércules 4

Esse gigante do mal foi esquecido

E como Hércules fundou uma cidade,

Tartessus ou Társis, antes Heracleia,

Do Monte Kolpe distante cinco milhas,

Como Colunas de Hércules ficou estabelecido,

Até a invasão moura, na verdade,

Comemorando a islâmica epopeia,

Djeb-el-Tarik, a que Gibraltar atilhas.

Dizem também que Hércules era Briareu,

Embora tivesse somente seus dois braços,

Mas detestando portar o nome de Hera

E os mitostegos ainda nos revelam

Outros locais reivindicando como seu

Este gentilico de tão distintos traços:

Na Germânia, na Gália, até na esfera

Do Mar Negro e para a Índia outros apelam!

As Colunas de Hércules 5

Se até na Índia, não seria de espantar

Que o local reivindicassem Lusitanos:

No Promontório Sacro um templo existe

Dedicado a Hércules, o extremo ponto

Do continente europeu a demarcar,

Assim proposto por autor Greco-Romano

E que é somente de dia que se aviste,

Porque se afirma ser verdadeiro o conto

De que os deuses ali dormem cada noite,

Após tomarem uma lauta refeição

Que os servos de Heracles apresentam;

Descem do Olimpo ou de constelação

E só se afastam ao soar do aboite

Do gado trazido para sua imolação!

Os sacerdotes seus rituais assentam

A oficiar perante fiel congregação.

As Colunas de Hércules 6

E aqui se afirma que ditos Pilares

Ou Colunas foram na época assentados

Por Hércules para os limites demarcar

Da Terra circundada pelo Oceano;

Não recordo em Camões tais afirmares,

Mesmo incluindo tantos fatos inspirados

Na mitologia helênica, mas só queria afirmar

Os “feitos valerosos” do povo lusitano.

E naturalmente, após tanto comentário,

Não sobra espaço para descrever a travessia

De seu retorno com os bois de Gerião,

Que eram vacas também e muitos touros;

E sem talento para fazer sumário,

Com que essa volta aqui resumiria,

Só amanhã eu lhes darei continuação

Desta epopia de mil e um tesouros!...

Fontes: Eustátio, o Escoliasta (o Comentarista, provavelmente Luciano de Samosata), Píndaro, Aristóteles, Plínio o Velho, Servius, citado por Virgílio na Eneida, Timóteo, citado por Estrabão, Erasmo, Zenóbio, Ésquilo, Hesíquio, Tácito, Scymnios de Quios, Apolodoro, Asclepíades de Munteia, citado por Estrabão apud Robert Graves.

ebulição 1 – 2 maio 21

a chaleira seguro e está pesada,

nas térmicas derramo a água fervente;

sinto o peso a se esvair rapidamente,

o recipiente depressa já esvaziddo;

só no começo meu pulso era forçado,

a pouco e pouco tornou-se mais clemente

essa pressão da massa impermanente,

somente agora o metal ali deixado.

quanta tarefa também tenho encontrado

pesada e dura somente ao começar

que se alivia enquanto é realizada,

até o ponto do esforço completado,

tão diferente do que era no iniciar,

sem se entender por que fora antes adiada...

ebulição 2

do mesmo modo a responsabilidade,

na adolescência quase inexistente,

vai se tornando aos poucos mais potente,

nos largos passos da maioridade

e aos passos firmes da maturidade

se vai tornando cada vez mais exigente,

sendo enfrentada com esforço ingente,

até chegarmos à terceira idade...

quando já tantas tarefas se cumpriu,

ja adquirida uma certa segurança,

podendo sempre se ajudar a descendência

ou certo amigo que algo nos pediu...

na alça da chaleira a mão descansa

e se a depõe sobre o fogão sem impaciência.

ebulição 3

mas sempre existe o outro lado da balança,

essa energia que se tinha antigamente,

pelo seu bico vai escorrendo lentamente,

enquanto o pulso da vida nos alcança,

esvaziamento a ocorrer de forma mansa,

até sutil, mas de ritmo inclemente:

já está a chaleira na metade, de repente

e a alça da vida pelo meio já descansa.

tudo é assim, o fácil e o difícil,

as coisas crescem, atingem o apogeu

e depois descem, em branda zombaria;

por sorte a dor também é em parte físsil:

depois que passa, só se lembra que doeu,

qual da chaleira a água fervente acabaria.