No meio
Sou Brasileira
e não-branca
Ver gente me gritando
pelo que não sou, irrita.
Me fere.
Não sou esse feita desses rotulamentos.
Rótulos,
pra mim não,
dispenso.
Branca?
Negra?
Parda?
Mulata?
Preta, clara demais?
Branca, escura por demais?
Mulata?
Que mula?
Não sou mula,
nem lata nenhuma.
Parda?
Que parda?
Não sou papel,
pardo é papel.
Sou não-branca!
Estou bem aí, no meio.
Vinda de
não sei muito bem o que,
com uma árvore genealógica
esquecida,
perdida,
não encontrada,
deixada por fazer.
Filha da miscigenação.
Neta da mistura.
Bisneta da aglutimação
e guerras culturais
e da morte de culturas.
Tataraneta de uns estupros,
de ligações indesejadas,
de abandonos,
de dores.
Aprendi aos poucos
abraçar a história desconhecida
de gente desconhecida
que me fez
chegar até aqui.
Chegar aqui assim...
Com esse cabelo
Com essa cor
Com essa pele
Com essa voz
Com esse corpo
Com esse sangue
Com esses traumas
Sou não-branca!
Estou bem nesse meio.
Vim daqui.
Desses povos misturados
que se esbararam aqui
Dessa gente migrada
por desvontade própria,
por que o corpo quis viver.
Sou daqui.
Gramática internalizada.
Força internalizada.
Daqui mesmo.
Preta?
Branca?
Parda?
Preta, clara demais?
Branca, escura por demais?
Sou não-branca.
Minha cor,
está ai,
bem no meio.
No fundo ainda é difícil dizer,
afirmar
o autoafirmar
incognita recorrente
em qualquer ficha imprudente
Branco?
Pardo?
Negro?
Que tal "não-branco"?
Que tal "no meio"?