Divina Comédia da Vida Pública

Morrer é divino...

É não ver

O que está para chegar.

Não enxergar nada vindo.

Furar os olhos,

Lacrimejar.

Vendar a justiça,

Quebrar a balança.

Morrer é não ter esperança.

Morrer é divino...

É não tocar

O que se está à mão.

Não sentir o tato,

Abraçar o chão.

Rasgar a pele,

Retalhar.

Clamar por um toque,

Mendigar afago.

Morrer é invisibilizar.

Morrer é divino...

É provar do sabor alcalino

Do mar.

Afogar-se no abismo do gosto.

Cuspir no prato posto,

Vomitar.

Rejeitar o doce,

Aclamar o amargo,

Delirar.

Morrer é não ter paladar.

Morrer é divino...

Sufocar o grito

Que não quer calar.

Entregar o ouvido

A quem quer falar.

Repetir a música,

Perscrutar ruído,

Suspirar.

Morrer é ouvir apenas

O que se quer escutar.

Morrer é divino...

Respirar o ar

Inebriado de cheiros.

Tapar o nariz com o dedo

Para tomar remédio.

Inalar tolueno,

Inspirar veneno,

Espirrar.

Morrer é rejeitar o ar.

- É não ter sentido nenhum

Para amar.

Sem data.

Teco Sodré
Enviado por Teco Sodré em 17/11/2005
Reeditado em 19/05/2010
Código do texto: T72868
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