LÁPIS-LAZÚLI (2)

LUGAR AO SOL

Lugar ao sol

o coração quer girar

para todos os lados do sol, girassol...

Lugar ao sol

tira-me deste rol, tira-me deste rol...

Lugar ao sol

onde as sete cores pingam da goteira do arrebol.

Lugar ao sol

quero estar longe deste rol

quero estar longe deste rol. Lugar ao sol.

A terra meu acolchoado quente e o azul da lua

um tão lindo lençol.

Lugar ao sol, de manhã um braço semeando sulcos,

abastecendo de alimentos o simples paiol.

Indústria de gente simples ao lado da plantação,

e no canto desta gente, a força do bemol.

Lugar ao sol, bemol.

Todas essas coisas valorizando encantos.

De todas essas coisas ir vivendo em prol...

Lugar ao sol, lugar ao sol, porque estamos neste rol,

porque estamos neste rol.

Lugar ao sol, da margem podemos ver os peixes

prateando e enredando aquele pequenino atol.

Da união desses prateados atóis surgirá belo continente.

Lugar ao sol, um balaio transbordando de estrelas,

e mais uma brilha candidamente no anzol.

Lugar ao sol, que lentamente traz para nós o enfoque

daquele distante farol. Lugar ao sol

estar longe, muito longe deste rol.

Ah... estar longe no lugar do sol

será esse o lugar onde o gênio das mil e uma noites

sai refulgindo de um radiante caracol... Lugar ao sol!

Minhas lágrimas, nossas fraquezas serão transformadas

em verdes pérolas neste crisol...

Lugar ao sol, tira-me deste rol,

tira-me deste rol...

A MÁQUINA E O HOMEM

O sol se ergue sobre a cidade.

Vamos trabalhador! Está na hora do serviço.

Vá construir sua falta de liberdade.

Vá carregar o seu peso maciço

de se humilhar sobre uma máquina sem coração.

Vá trabalhador! sentir os nervos na ferragem,

sentir a velha ferrugem sujando nossa ilusão.

Vá! ... atrofiar o aço de sua coragem...

Olhe o seu suor feito óleo de uma máquina sem coração.

Olhe os seus braços entregues à exploração...

Veja trabalhador! a máquina a rodar sem mundo,

a rodar por um universo brilhante e cruel como a espada.

A máquina roda sobre os tecidos que fantasiam moribundos,

a máquina gira sobre sapatos sem escada,

a máquina-gelo gira sobre seu rosto sem identificação.

Continua a máquina rodando na procela,

rasteja suas cobras e sobrevive uma natureza,

que são túneis de aços entre fios em cela,

encarcerando mãos cadavéricas de pobreza.

Esta é a máquina a construir um mundo de desconfiança

onde as pessoas cegas tem a neve como o aço.

A máquina mói sua carne e deixa uma herança,

o testamento de um inferno feito no pó do fracasso.

A máquina não é a máquina sem coração.

O homem que é um homem sem consideração.

As pessoas são as pessoas, são fios de mesquinharias

que produzem este terror de engrenagem e fantasia.

DIZERES

Os presos que não possuem

celas parecem ter os olhos acesos.

Dizeres intensos.

Dizeres como bem escrever

para o nosso bem de satisfação.

Dizeres em óperas, em fábulas, em ciência.

Dizeres sobre tudo aquilo

que tanto amei.

De coração conquistei uma simpatia.

Dizeres intensos

como gosto de ficar suspenso

em suspense poético.

Narcotizado por acumulações de rabiscos

que expressam as cores

que mais sinceramente amei.

Quem me afirmou estes deveres

tem a gratificação de minhas palavras.

Dizeres que recordo num acordo

com o destino.

Esta fábrica construída pelas atitudes...

Dentro das horas, este destino

que só existe dentro do determinado sistema.

Dizeres que recordo num desacordo com

o destino, na decepção de ser sozinho

e ter vivido assim.

Sem se desenvolver.

Dizeres que não estas meras perdas

nos minutos

significam sim os meus restos de esperança,

o resquício de crédito que frutifica.

Dizeres em retratos?

Em gritos?

Em violinos?

Em poesias de mármore ou de sangue?

Dizeres que se reflitam onde quiserem,

mas que fiquem se estendendo no estêncil.

Unindo os corações dos que pensam

no motivo mais precioso

do nosso amar.

Unindo a valorização do nosso genuíno

impulso de se expressar no prazer

das extensões humanas.

Dizeres

ser e ação e logicamente dizer.

Dizer esta linguagem que me angustia

de buscas e viagens.

Dizer esta linguagem que soluça

em meu peito uma camaradagem.

Dizer este dicionário

que compilei pulsando

o coração em imediato corolário.

Dizer esta linguagem que desembarca

nuvens de seus céus

e as fazem formas serenas de prazer e elevação.

Dizer este ditado

vertente de rimas que se arquitetam naturalmente.

Dizer nestes rabiscos que toma sentido

pela cultura.

Dizer esta vertente, dizer este abrigo

que acolhe e aquece a esfera,

a esfera social e geográfica.

Dizer estes dizeres mortificados e obscurecidos

pelas perdas sucessivas impostas secretamente,

pelos escravizados em seus próprios comandos.

Pronto.

Está aqui o que disse.

Está aqui a minha satisfação de dizer.

Está aqui o prazer de preencher

as linhas de dizeres,

a vida de fazeres

idênticos ao nosso amor,

a nossa dedicação,

idênticos a tudo o que se mais quer

e o que se simpatiza.

Está aqui o prazer de preencher

a vida

e assinar com vigor

os grandes dizeres...

FERNANDO MEDEIROS

nasceu em Campinas. É autor de contos; poeta de milhares de versos, de centenas de poemas; alguns deles publicados, nas duas últimas décadas, em dezenas de cadernos, dispersos...

primavera de 2005