Mangue de asfalto

“Há mais coisas entre o céu e a praça princesa Isabel

Do que sonha tua filosofia

Acorda pro mundo meu filho, minha filha

Atravesse a calçada

Aperte o botão que eleva

O vidro do carro

Não ouça nada

Só o velho refrão

Num rife de guitarra

Seu mundo se fecha

Não se abale por nada

Nem pela fome

Nem pela cor

Nem por quem some

Nem por quem ficou

Abriu o sinal

O céu azulou

O sino da catedral

Geme um grito sem dor

Almas empilhadas em corpos tão sujos

Dormindo em praças, calçadas, viadutos

Veja, um teatro

Parece um Porto Seguro

Em meio ao cenário caótico

Uma ilha isolando e elite do mundo

Encenando Shakespeare

Enquanto Hamlet ecoa pra fora dos muros

Sir Lancerlloti segura a marmita

Como fora uma adaga colada em seu punho

Eles estão com medo de assalto

Naves blindadas evitam o absurdo

Sejam bem vindos ao mangue de asfalto

Eu limpo seu carro enquanto me sujo

Júlio, feito Arthur

Rei dos oprimidos

Arranca da pedra

A espada forjada em luz

Crava no peito de Athemis

Deusa dos justos

E a justa clareza que o rei de todos os tempos

Subjugado pela realeza sucumbe ao martírio da cruz

Estamos todos abandonados

Os nobres, os pobres, os fortes e os fracos

Vagamos em nossas pardas existências

Pedimos clemencia

Com a pura certeza de que estamos somente

Cobrindo as fezes em solo raso”