A FÁBRICA DE TECIDOS QUE TECEU UMA CIDADE

"Roupa pra vestir, roupa pra usar

Todos precisam de roupa

Tira a roupa pra lavar

A pano que faz roupa

Tem história pra contar"

Final do século dezenove

Os operários amanhecem dispostos

Arregaçam as mangas e começam sua jornada

Em busca do pão de cada dia

Na sua labuta diária

Em busca do seu crescimento

Foi assim, talvez, o surgimento

Da Companhia Industrial de Pernambuco.

A partir dali, a importante mudança marcante

Um novo ciclo que se iniciava aos poucos

Onde antes, os engenhos de Cana de Açúcar

Do trabalho escravo em seus cânticos oprimidos

Agora renascia uma força laboral distinta

Buscando respeitar o estado social de direitos

Dignidade à classe trabalhadora

Habitação, assistência, saúde e moradia

Por volta de 1890,

Instalaram a olaria,

Que iria fabricar os tijolos

Pra levantar o prédio da fábrica,

Projeto muito arrojado pra época.

Uma estrutura todinha planejada.

Entre os principais fundadores

Cito Carlos Alberto de Menezes

Na responsabilidade de tocar o projeto

Planejar, construir e fazer a fábrica funcionar

A rede ferroviária até os anos cinquenta

Passava ali por perto

A linha do trem que ia e vinha

Entre Recife e Limoeiro

Locomotivas incansáveis

Levando gente e seus produtos

Deixava o algodão bruto e levava tecido

A poética Villa da Fábrica dos Clube Guarany e do Penarol

Este último, hoje a única biblioteca municipal.

A Vila Operária mais antiga da América Latina

Trouxeram as Irmãs da Sagrada Família da Europa

Para educar os filhos dos funcionários

Acomodou centenas de famílias

Nas suas mais de cento e cinquenta casas

Que depois foram se multiplicando

Ao longo do tempo que não pára

E as Repúblicas dos Solteiros, onde hoje resta apenas uma.

O nome já diz. Ficavam os moços solteiros.

Nas suas ruas largas cantaram poetas esperançosos

Nos antigos carnavais de outrora

A fábrica que não parava

Teve seus altos e baixos

Em um país de crises alternadas

Com épocas de bonanças sutis

Fênix renascida nos anos oitenta

Já com o nome de Braspérola

E os trabalhadores saudosos

Lembram emocionados

Desses tempos áureos

A fábrica que fez história

E teceu os fios iniciais da cidade

Minha cidade de Camaragibe

Que pertencia a São Lourenço da Mata

Até a sua emancipação conquistada

"Eu vou a Camaragibe ninguém diz que não

Dançar um coco animado, véspera de São João".

Trabalhar lá era o sonho e o desejo

De parte dos moradores

Construída todinha em tijolo

Em sua arquitetura clássica

Das colônias em sua revolução industrial

Imponentes arcos e de altos muros

O passado vem na memória

De quem no passado

Ajudou a fazer o futuro

As asas da imaginação voa longe

Trazendo possíveis lembranças

De seu cotidiano e seus arredores

A empresa e seus momentos sublimes

Angústias individuais das mãos proletárias

São vozes eternas ecoando

Nos caminhos da Fábrica

Há lembranças memoráveis

E fatos encantadores pelo ar

A Festa da Gruta e seus brinquedos coloridos

Maçãs do amor brilhando, algodão doce,

Promessas e pedidos firmados na pedra

E o cilindro de encher balões

Que um dia explodiu ao vento

E eu perdi todo meu dinheiro no bozó.

Um lugarejo irrequieto

Que foi se construindo fio a fio

Até chegar ao seu término

O tempo chega para todos

A vida nos consome até a última linha

Mas deixou seu legado

Após mais de um século ajudando o país

Hoje um grande centro comercial

Gerando empregos e encantamentos

Ilusórios do capitalismo que não brinca em serviço

Que constrói coisas tão belas

Mas também acumula bolsões de miséria

Nas proximidades escondidas

Que o Shopping Camará

Que hoje habita o teu corpo tenha por missão

Contar diariamente a história daquele povo

Do brilho dos olhos de seus fundadores

Ao suor do rosto de cada pessoa envolvida

Lembro que quando criança

Soava o apito da Fábrica às dez horas da noite

Um grito estridente na vastidão noturna

Delimitando o fim da hora de brincar e ir dormir

Por várias e várias gerações

Foi sustento dos operários e suas famílias

Por dias a fio ajudou a costurar a cidade

Cada dia mais bela e cheia de riquezas culturais

Uma fortaleza do trabalho solidário

Antes a mola mestra do desenvolvimento

Daquele povoado que formou uma linda cidade,

Camaragibe, que nasceu embalada nos teus panos

Magal Melo

02/07/2021