nada, nada não

nada, nada não

vi um sonho, eu

era um rio, outra

vez um pássaro,mas

nada, nada não, sepulcro,

simulacros que se repetem,

a chuva apenas molha o chão

que logo secará e o sol mais

tarde dá lugar a escuridão,

nada, nada não

devolvo o anel brilhante

a bicicleta mal vivida,

o ridículo acumulado,

o amor desaparecido,

nada, nada não

culpa ontológica um

caralho, dei mesmo

muro no arame, empurrei

uma criança de colo, suguei

o seio ainda seco, fiz da clausura

um espetáculo de moradia,

e o outro sou eu, com

a mesma fome, com

a mesma cara blazer

de que tudo vai como

vai os barcos mais bonitos

dessa marina, que da minha

casa, é própria distancia materializada,

nada, nada não,

angústia antológica

um cacete, nada faz sentido

mesmo, talvez esse poema, que

sei de onde partiu mas não

sei onde chegará, vazio, vasilhame

de gritos guardados

minha mágoa enlatada,

minha raiva engarrafada,

o horror que nunca escapa,

nada, nada não, mas nado

no rio e nado no mar, nas suas

ondas que estoura na praia

mas no meu coração se congela

e não diz mais que solidão,

pedaços esparramados numa

sala branca e sem móveis,

e tuas mãos, melhor, as lembranças

de tuas mãos, de tuas ancas que

são traças, cupins, vermes a comer

o que já foi comido, cegos, isso sim

cegos, imagino a água de alfazema

que escoa nesse gelo de mundo, nesse

tédio feito de repetição, nesse

terra que é pura, mas também desolação,

a aquecer o tempo, dar fruto à semente,

porem, nada, nada não, no entanto, há

de haver flores nos próximos dias, há

de ter borboletas, amarelas como sol

e voar por entre as plantas sem nove

e a receber do céu, a beleza que nunca

deixou de existir, mesmo embaixo

dessa nuvem fixada.