Exilado
Eu que nasci na interface entre o virtual e analógico
Que vi o século virar com promessas de fim de mundo, polos fora do eixo e carro voador
Vi o amor virar líquido, com altas concentrações de álcool e torpor
Vi o mar virar lixo; consegue sentir o fedor?
Eu que que vi o concreto virar pó para depois voltar a ser concreto
Que ouvi o estrondo da dinamite e o sibilar do vento nuclear
Vi corpos em chamas em praça pública, com pele se soltando feito folhas, voando no ar
Eu que vivi numa bolha prestes a estourar
(Espero que ela ainda me acolha, que ainda a tenha como lar)
Eu que me vi pressionado feito uma rolha na champanhe que perdeu o borbulhar
Já não comemoro festas, folias, nem troco mais de roupa pra ver o ano virar
Eu que nasci há tão pouco e agora olho meu rosto e vejo um velho, sei lá
Eu que não me apegava a nada, que desdenhava de tudo, fui apanhado pelo passado e jogado no futuro
E agora, que será?
Eu que já fui alcoólatra e hoje me abstenho até pra falar
E me queixo ao tempo vendo o tempo passar
E em meio ao relento, relembro o presente, releio os quase-escritos, remendo
Sou um proscrito, renegado e sem lar
Eu que soube e fiz a hora, fiz e aconteci, amei e odiei (e com sobra)
Me pego agora com a mão no queixo, outra apoiada numa bengala, imaginária , olhando o tempo que se encolhe pra longe de mim