Exilado

Eu que nasci na interface entre o virtual e analógico

Que vi o século virar com promessas de fim de mundo, polos fora do eixo e carro voador

Vi o amor virar líquido, com altas concentrações de álcool e torpor

Vi o mar virar lixo; consegue sentir o fedor?

Eu que que vi o concreto virar pó para depois voltar a ser concreto

Que ouvi o estrondo da dinamite e o sibilar do vento nuclear

Vi corpos em chamas em praça pública, com pele se soltando feito folhas, voando no ar

Eu que vivi numa bolha prestes a estourar

(Espero que ela ainda me acolha, que ainda a tenha como lar)

Eu que me vi pressionado feito uma rolha na champanhe que perdeu o borbulhar

Já não comemoro festas, folias, nem troco mais de roupa pra ver o ano virar

Eu que nasci há tão pouco e agora olho meu rosto e vejo um velho, sei lá

Eu que não me apegava a nada, que desdenhava de tudo, fui apanhado pelo passado e jogado no futuro

E agora, que será?

Eu que já fui alcoólatra e hoje me abstenho até pra falar

E me queixo ao tempo vendo o tempo passar

E em meio ao relento, relembro o presente, releio os quase-escritos, remendo

Sou um proscrito, renegado e sem lar

Eu que soube e fiz a hora, fiz e aconteci, amei e odiei (e com sobra)

Me pego agora com a mão no queixo, outra apoiada numa bengala, imaginária , olhando o tempo que se encolhe pra longe de mim

Luiz Eduardo Ferreira
Enviado por Luiz Eduardo Ferreira em 13/11/2021
Código do texto: T7384455
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