DERRADERA PASSARÁ

Maria chorou na primeira noite.

Na segunda, acostumou o rosto ao travesseiro.

Na terceira, seus olhos começaram a desinchar,

esvaziou a alma dos sonhos represados

sem a levada forte das marés vazantes.

Perdeu o primeiro sono à toa.

No segundo, gastou o cansaço relendo bilhetes.

No terceiro, perdeu-se revendo as fotos antigas,

inspirou oxigênio como catasse respiros

expirou suspiros sem prazo de validade.

Desacostumada com o vazio,

esquecia o copo d’água longe do criado-mudo

só para levantar-se, abrir a geladeira, ver a cerveja

que jamais será bebida com a risada da boca bêbada.

Desacostumada com o silêncio,

quebrava a paciência dos grilos-falantes

avolumando os sons da casa, cheia de vinil e CDs,

aos ruídos que serão calados na paz da só melancolia.

Desacostumada com a solidão,

Maria, na quarta noite seca do quatro já acostumado,

espichou, pela última vez, um longo olhar de corredor

só para ver aquele corpo mijando devasso, de costas,

na porta do banheiro entreaberta vertendo promessas.

Na quinta, teve seu último pesadelo

Acordou vazia de sonhos:

pronta para esquecer.

Na sexta, tomou banho por inteira.

Dormiu cheirosa de cantos:

pronta para reaprender.

No Sábado, saiu de casa.

Jogou fora a chave torta

da porta antiga.

— Antes só do que mal acomodada!

Maria não mais voltou. Sumiu.