ALUMBRAMENTO (4)

PERSONAGENS

Numa terra devastada pela miséria e arrogância,

numa época em que os desejos têm efeitos de vingança,

vivem seres tomados pela ignorância.

O DEUS, que antes salvava,

tornou-se história em quadrinhos.

O amor, que antes unia,

despediu-se com ódio.

As ruas tornaram-se sujas.

O ar poluído, a natureza cinza.

Tudo, tudo que era belo acabou.

Nessa terra infame, em meio à civilização,

vivia a ESPERANÇA DO ANDARILHO, pedindo pão.

Com a mão estendida e um olhar de angústia,

diz as palavras quase todas avulsas:

_ Por favor uma esmola,

a fome me abateu.

_ Não sou totalmente a escória,

Deus assim escreveu.

Os que passavam ouviam, porém, nada diziam.

E assim, sucessivamente, as palavras dos que anseiam repetiam-se:

_ Socorro, me ajudem!

Choro na escuridão,

meus sentidos passam fome,

mas sempre sofro em vão.

Logo à frente deste, que pede pra sobreviver,

estão as mulheres, que se dão para não sofrer:

_ Venha me querer,

me tome como sua,pois

satisfaço o seu prazer

totalmente nua.

Os que passavam ouviam, alguns nada diziam,

outros, instantaneamente, entendiam e, por dentro da noite, divertiam-se.

Na rua paralela ao que pedia, e as que se davam,

estavam as crianças que roubavam e os jovens que se drogavam.

Os que passavam viam, alguns sorriam,

outros, desesperadamente, queriam o que os jovens vendiam:

_ Venham, a alucinação mora aqui!

Se você quer esquecer seus problemas,

com o pó vai dividir!

E nesse ciclo de fome, prostituição e drogas, a esperança ainda vivia.

No mendigo que pedia o pão de cada dia.

Na prostituta oferecendo o corpo para cada cliente.

Na criança que rouba todo dia.

No jovem que se droga por não ser paciente.

Nos que passavam entre eles e não entendiam que viver é

muito mais que possuir bens, mas, sim, amar o que o mundo põe a nossa frente.

Se hoje tivéssemos mais amor ao próximo e mais consciência,

não estariam aos milhares os que fazem os PERSONAGENS

da história que se acabou de narrar.

METEOROLOGIA DO AMOR

Sopram com o vento

os gemidos lentos,

os beijos insípidos que me atingem,

as mãos de estranhas vertigens.

Caem como chuva

os corpos no chão,

vestem como luvas,

todos tesão.

Queima como sol

o prazer que nos une,

não há nada igual

a esse amor impune.

Logo neva, o tempo fecha,

avalanche de decepções,

e o coração abre uma brecha,

para novas emoções.

EM TEUS BRAÇOS

Quero estar em seus braços,

quando meu coração pedir para ir embora,

quando as densas nuvens de angústia

puxarem-me para longe,

quando o frio tomar conta do meu corpo,

quero que só você me aqueça outra vez...

Quero estar em seus braços,

somente em seus braços,

quando a morte vier,

para tão breve com seu amor

voltar a viver...

ESCASSEZ

O dia já não brilha com a mesma nitidez,

eu já não agüento os problemas com a mesma solidez.

Talvez sob essa máscara

ainda exista algo submisso.

Hei de sofrer alguma forma de suplício!

Meu sentimento naufragou no mar da infelicidade,

minha vida recusou a felicidade.

Para onde vou esta noite,

se o amor me golpeou como açoite?

Encontro-me nessa escassez,

amar, não sei, talvez...

AMO

DOIS

CORAÇÕES

QUE

BATEM

NUM

RITMO.

AMO

DUAS

ILUSÕES

QUE

ME

LEVAM

A

UM

GENOCÍDIO:

o do meu corpo!!

ELAINE BORGHI

primavera de 2005