Banho Alegria
Estou a caminhar para porta
Em cada passo, sinto apertar o alento do meu âmago
Abro a porta e fito no espelho a reprodução de um tal
Alguém que, talvez, algum dia foi um humano
Hoje só se observa a algia da angústia
Faço funcionar o chuveiro da amargura
Como dói cada gota
Tal como tiros que desmancham a maquiagem de um ator
Relevam a persona mais profunda de um personagem
Sinto o shampoo melancólico andar por minha cabeça e emancipar os fios de uma vida que não existiu
Surge uma espuma da aflição que é arrastada pela água para o ralo como a vida se esvai a morte
Como dói cada gota
É muito doloroso cada gota
É crível como esse padecimento constante se torna uma paz eterna-curta
É a ressurreição do espírito em uma transcendência pura e atroz
Nada está a meu controle como essa água que é efêmera de sentido e forma
Quando saiu do chuveiro já sabia de seu passado e de seu futuro existente nesse espaço-tempo
Me atenuo com o renascer de um passado-futuro
Pego o sabonete de espinhos das epifanias
E atrito cada sentimento em minha pele
É como se rasgasse todo tecido e mostrasse o real
O que há mais de profundo em meu corpo?
A dor?
O profundo?
O marfim?
O osso?
A alma?
Eu vejo o que ele me mostra, mas não consigo entender do que se trata
É algo que vai além da linguagem
Há mais coisa além do perfeito e o belo do que se pode imaginar
Essa revelação se esvai como a vida se vai para morte
É muito doloroso cada gota
Como essas gostas doem
Pego a toalha e limpo tudo que foi me visto
Não há mais verdades ou mentiras
Tudo só é.
Mas, no fim, a toalha me limpa e me oculta o real
Ela me conforta com todo o constraste do banho
Que feliz…