30 Tostões
LIV
Juntei 30 tostões
e vesti o meu blusão,
uma camisa nova,
penteado á brilhantina
e uns sapatos de verniz.
Sem vergonha a abordei
e mostrei que tinha
o que ela levava
por uma noite de prazer
sem que nunca a podesse beijar.
Um decote perturbador,
face angélica de puta,
uma vez por 30 tostões
sem mais confusões
num quarto na pensão da vila,
antro de perdições
muito prazer e nenhum amor.
"A cabar com a virgindade",
"Gostos masoquistas
e as fantasias mais esquesitas"
slogans na brochura
e eu que ia lá para me declarar,
que a amava
sem nunca a poder beijar
a garota mais desejada,
a protegida da Madame
que por 30 tostões
satisfazia qualquer homem.
Ganhava a vida com o corpo
sem nunca revelar os lábios
a ninguém que nãos os merecessem,
a ninguém que por eles pagassem
mesmo se a Madame insistisse
que por um Duque ou Barão
abrisse uma excepção.
Que bela menina, a prostituta
que a necessidade da pobreza
lhe levou a inocencia
por uns miseros 30 tostões
que levava no meu bolso
na esperança de lhe roubar
pela primeira vez um beijo
com uma declaração de afecto
repetida cem vezes no espelho
e cem vezes trocada
ora pelas palavras, ora pelas expressões,
com diferentes roupas e tons de voz.
Quero lhe dizer que a amo
desde o primeiro dia que a vi
naquela janela debroçada
e me deu um sorriso
no meu caminho para casa:
" Sou muito pobre
só me tenho a mim,
um pão para roer
e uns quantos amigos a mais.
Nada que possuo é ouro
no meu peito brilha apenas o que sinto por ti
que te escrevo neste papel
onde me declaro.
Podia até combinar um encontro
mas só te podia oferecer o luar
as árvores do jardim
iluminadas por altos candeeiros.
Não te trago riquesas
nem um futuro risonho
trago apenas estes tostões
que em muitos trabalhos os juntei
- confesso que alguns roubei-
só para comprar a tua presença.
Não quero o teu corpo nu
nem que te humilhes uma vez mais,
quero apenas um teu beijo
e dizer que te amo
mesmo sabendo que nunca te poderei ter."
miguel lopes