I
Não tenho em mim a passividade bucólica do pasto.
O pasto cresce e é o pasto,
E é suave.
Mas a natureza do pasto é a de ser suave, e a minha natureza é a de ser rude,
Agressivo e furioso.
Os homens que buscam assemelhar-se ao pasto,
Que buscam o crescer no campo tranqüilo, são tristes, minha irmã,
Porque não é da natureza desses homens o crescer no campo, em guerra, sobre os ombros das tempestades mornas e trançadas,
Mas sim coisa outra, que é estar de acordo com a natureza dos homens, e ser o que o coração adverte, tão somente.
Sou rude, agressivo e furioso, e por isso ando em paz comigo e com minha natureza, já que os dias todos me ordenam a sê-lo.
Tenho que devastar o campo simplesmente porque assim sinto que devo fazer, sem que para mim o devasta-lo tenha verdadeira utilidade, ao menos não que o saiba.
“Pensar em devastar campos por nada é criminoso”, disseste uma vez.
Mas ninguém pode dizer o que é ou não criminoso entre os homens sem conhecer a finalidade dos homens no cosmo vasto,
Na ordem bêbada do universo,
Porque a partir da finalidade sabe-se o que é bom e mau, já que o que é bom aproxima da finalidade, e o que é mau, afasta.
Mas desconhece-se o porquê de um homem,
Da mesma maneira que se desconhece o porquê de uma brisa ou dos hemerocales,
E dessa maneira não há utilidade nos salmos que lês à noite, exceto que vivem e são belos,
E mais coisa nenhuma.
Sou furioso, agressivo e rude, devastador de campos, mas ainda capaz da beleza.
De produzir minha própria beleza e de apreciar outras belezas distantes ainda,
Como o topo roxo de um cogumelo ou a caixa sóbria de deus que é o teu salmo.
Aceito meu destino de ser rude, agressivo e furioso, como uma mulher feia e grande decide ser bela por razão de existir simplesmente, porque é belo o existir,
Ou como o suicida decide-se pela morte quente, porque também é belo o não existir,
O pairar do nada, vacilante e atormentado, a mãe e o berço dos girassóis loucos, dos campos dementes pelos quais me incriminas,
Do trigo calado e de todo o mais que tu e eu percebemos enquanto passeávamos ainda hoje pela manhã,
Debaixo do sol que ardia próximo demais para que se percebessem as verdades e as mentiras no discurso da terra.
Tu pensas ser a exatidão do gato que nos acompanhou na volta, mas não és, porque eu conheço-te como tu não te conheces, do modo que tu odeias que eu te conheça.
Conheço-te de um ponto além do céu azul e caiado,
Que verte secura e morbidez sobre teus cabelos desmaiados pelo tédio,
De um ponto além do sair-se de casa e do viver-se e morrer-se um pouco mais longe,
De um ponto além das maneiras dos universos e dos casamentos felizes.
Conheço-te de onde eu não sou mesmo sendo,
De onde não sei conhecer-te,
E de onde tudo isso não tem importância alguma.