A LÍNGUA

A língua é um bom prato

O prato, um bom texto,

O texto, um bom gosto.

Mas que língua degusto

Sobre o prato

Na hora do texto?

Já saboreei a língua do boi

Que assanhou a gravidez de Catirina

E deixou Pai Francisco em maus lençóis.

Temperei a língua da poesia ao molho pardo

das minhas metáforas

E cozi a língua

Que virou

“última flor do Lácio

inculta e bela”, do poeta e de meus avós.

Já suguei a língua que esteve enroscada à minha,

Atrás da via láctea de cuspe

No céu da minha boca.

Experimentei a língua de sogra

sem a ternura das festas de aniversário.

E quis sentir o sabor da ociosidade ingênua

E apenada da língua dos surdos-mudos.

Que não me queira mal minha vizinha,

Mas sua língua ferina não comerei no jantar.

Ela, com sua língua de trapo,

Dá com a língua nos dentes sem ser poliglota.

Tem a língua afiada, a língua comprida, a língua de palmo.

Nem um banho de língua lava a língua suja dos maldosos

Porque essa é a língua maior que o corpo

E que faz qualquer um cair na língua do povo

Por isso é que, no amontoado de línguas,

Criou-se a torre de babel.

Por isso, é preciso dobrar a língua

Pra falar a língua

Pois a língua é um bom prato

O prato, um bom texto,

O texto, um bom gosto.

E é por causa da língua que

Boto a boca no mundo.

Wanda Cunha
Enviado por Wanda Cunha em 25/05/2022
Código do texto: T7523340
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