Lúdico
Quando o peito pesa os horrores do passado pela manhã.
Quando o estômago está sendo corroído por borboletas nefastas de uma paixão mal resolvida.
Peço aos que entendem isso para que não estranhem quando eu estiver à flor da pele até a poeira dos ossos.
O vazio fúnebre, o arrependimento por estar existindo, as desilusões estilhaçadas que pretendem ajustar-se à realidade mas chocam-se com ela.
Quando se pretende estetizar a realidade e nesta idiosincrasia, pretender o inconcebível, realizar o inexequivel, exprimir o inexprimível.
Também a frustração de todos deriva da impossibilidade dos nossos mundos ajustarem-se àquele mundo fixo, e este de curvar-se aos nossos desejos, onde todos se expressam com um limites.
Para ser bem sucedido nas tentativas de exprimir o indizível, que é inefável aos sentimentos, é necessário mascarar as pretensões, e tais intenções devem também ser falsas.
Quando me proponho exprimir tais sentimentos , devo frustrar-me na explicitação, prova-se nesse fracasso que mascara a própria expressão, como se pudéssemos dizer o que quer que seja para além desses limites de capacidade.
Meu grito de desespero mudo, a leveza que não volta, e se voltar? Se voltará a quem?
Que masoquismo é este quando tudo que resta da vida é um futuro incerto, solitário e mudo diante do limite do mundo?
O que há no meu peito dispensa e repudia as galas e as regras que imitam a agonía, e
demonstro toda a fragilidade a mim mesmo nesse pensamento, como se houvesse poder nisso, porque demonstar-se frágil também é demonstrar-se sensível.
Porque cultivando uma faculdade sensível reproduzimos a inutilidade disso.
Porque toda arte que escapa é inútil, e é importante que seja!
É preciso nesse momento se abster de procurar utilidades, pois corro o risco de objetificar a mim mesmo e aos outros entes, julgando um valor subjetivo entre este objeto que sou, e aquele outro que sempre será aquilo que eu não sou.
Meu peito desolado já não cumpre seu papel de estetizacão da vida, me calço com o pensamento de que a paixão é uma loucura socialmente aceita, como uma metafísica mal desenvolvida que justifique a vida.
A vida não tem justificativa.
Todos fomos jogados ao mundo e hoje mais do nunca preciso encarar o desespero de não ter propósito.
O que tateia o peito e toma forma muitas vezes ganha vida própria, mas é preciso algo que a signifique.
E em um tom cavernoso dizem (os maus instruídos), que não possuir propósito nos liberta a atribuir significados.
Digo, não devemos. Os significados oscilam, os momentos se perdem, o que resta torna-se um amargo nostálgico nas cabeças dos homens e uma pedra em suas gargantas.
Se o coração pretende dizer algo, escrevo, amasso, e em seguida sigo engolindo. Até que vazem pelos meus poros.
Porque as belas palavras não bastam, porque a vida não basta e estamos perdidos.
É importante ser Alice, é importante saber ser Werther, se agarrar como um náufrago ao absurdo por estar existindo e revoltar-se por nada disso possuir um sentido definitivo.
Fumo um cigarro, vejo a lua da edícula de casa, porque a solidão assola as cassas tão separadas. Já não parece que os números dizem que existem tantos homens no mundo que me são desconhecidos.
Estou hoje fadado a um monólogo psicanalítico, onde apenas reside uma utopia de saber sobre essa coisa que sou, em uma zona crepuscular própria que trinca sozinha, e este também é um motivo de silêncio, e como tudo reprimir-se também tem seu limite e chega um momento que tudo escapa e o coração pesa sobre as águas que transbordam.