NISTAGMO

lembre-se de que, amanhã,

teremos compromisso.

às sete cravadas esteja no ponto

e prove que é um indivíduo castiço.

venha em trajes bem apanhados,

pode ser calça rancheira, contanto que nova,

camisa de botão bem passada

e botas daquelas que o bom gosto aprova.

deixe que me encarrego das passagens.

traga apenas uns trocados para um pingado,

balas de hortelã para o caso de enjoar

e um saco para botar o guarda-chuva molhado.

rumo ao destino, botaremos a conversa em dia,

quase um ano desde aquela última vez em casa de amigos,

onde o conhaque fora pouco para o tanto que rimos

e o tanto que rimos fora pouco para a dor que nos fitava pelo postigo.

enfim, meu velho, voltemos a ser meninos,

não perdendo nenhum detalhe emoldurado pela janela suja.

voltemos ao tempo em que tudo dava medo

e, para alívio, o amanhecer se erguia como uma grande mãe coruja.

bem dobrado, no plástico da carteira,

levo anotado o endereço,

de onde estive tantas vezes

mas sempre me esqueço.

traga uma flor, caso possa,

não permitem poemas;

no coração de sartre, procure uma prece genérica,

que atenda a todos os problemas.

venha de marinho ou cinza. azul não pega bem.

procure também não fumar, para que não haja contaminação

da alfazema das senhoras por teu hollywood mundano

naquele ambíguo momento de abraço e consternação.

eu já separei a roupa de amanhã

caso não me entenda com o despertador.

meia, calça, camisa e um terço antigo

que carrego comigo para os momentos de dor.

te espero às sete então,

no ponto de sempre, onde o cego vende isqueiros

que acendem cigarros, incensos, velas, entre outras luzes

que ele nunca viu nos seus oitenta anos inteiros.