LÁPIS-LAZÚLI (9)
GEOGRAFIA DA IMAGINAÇÃO
Fada morta no centro
da imaginação.
Morta a planície, vivo o vulcão.
A tortura mastigando a fisionomia
num ponto distante da geografia.
O precipício na lei do costume.
A inocência da fada lume
na lava do vulcão que nos resume.
Fada não existe no centro do planalto.
Fada nunca existiu aqui do alto
onde muitos se absorvem nas cores.
As dores do vulcão,
fada esquecida no centro das cores.
Morto o sol na planície
não é este o significado das cores.
No centro do assalto o mundo respira
a sua mentira.
Fada morta
e o vulcão retira as suas lágrimas.
A geografia da imaginação tem outras
cores que são imortais.
Tudo é precipício e engano para os mortais.
Quem não passeia no centro da imaginação
é pedra em comunhão ao fim.
E o vulcão derrete as pedras e traz
o inferno ao centro do crime.
No centro do palco, onde o braço do mundo
aponta, o seu golpe final, se solta o vulcão,
e a planície se desmancha como ilusão.
A fada morta sorri e beija a geografia do seu corpo,
e a fantasia beija a pedra e se desenha na larva.
NA ESPERA
Quem fica na espera
de um caminho triste
esquece o destino
no vão da porta.
A mão morta gela.
O vento recolhe
o que há dentro do conflito.
O momento escolhe
o que vem em atrito
com o destino.
Na espera está a poesia
e tudo mais,
e tudo mais...
Com o destino se divide
a oração.
Com o vento se recolhe
a sensação de falência
na cadência da noite
revestida de muitas noites
e da mão revestida de gelo.
Grotesco apelo
revestido de atropelo.
Na espera se continua
a investida da desdita.
Esta dita já é conhecida.
É triste a vida
para quem se desfia,
e o desfile é o de sempre.
Na espera se resume a conhecida
piada.
E a vida se desfia
no desfile do nada.
INDEFINIÇÃO
A indefinição que se acumula
na mula do dia sem cabeça,
sombra espessa despertando
lírios
que se murcham indefiníveis.
Os níveis da desorientação
impedem o passe de mágica.
O que será que a trágica
sucessão vai impedir?
Vai impedir um esvoaçar
de lírios.
Lírios sem vale, sem vales...
E o deserto
acumula suas areias.
É o canto das sereias
que indefine a bússola.
É estar a se partir
na guilhotina do sonho.
Componho a retina
que se derrama.
A flama dos lírios
foi confundida
pelos ventos tão frios
como o coração de quem
se perdeu.
É a indefinição que se amesquinha
na escrivaninha do dia sem horizonte.
Transporte sem rumos,
e os remos se perdem nas águas,
e as mágoas se perdem nos ramos,
e os lírios
se despedaçam nos lábios.
É a indefinição que se afunila,
enquanto as vilas dos dias
sem lira assimila o desespero
do espanto.
E a indefinição dança com seu delírio
e a mansa presença dos lírios
se apaga sem residência
nos olhos, andarilhos das cores.
CONVULSÃO
O pavor indiscreto
e a dor expansiva.
O ponto secreto do vendaval,
de grau elevadíssimo.
A decisão... Isto se exprime,
e a recapitulação...
A segurança não será a civilização?
A expansão e até máquinas gritam,
é a sede do encontro...
A rede do choque.
O choque não é o encontro...
O choque é a exasperação...
A violência mais repentina
que o repente do espaço-tempo
possa convulsionar...
AMEAÇA
Tenho um andar no passado
e fixo a última referência.
Temo o olhar do passado
e sua tímida interferência.
De andar a andar,
uma única desobediência.
Prefixo de olhar.
Temo a cilada no olhar
no ato de qualquer obediência.
Tenho um andar que repete
a mesma lista ao destino.
Temo o colar de acicate
que a vida inventa veloz.
Perante a opressão do agora
uma nuvem de rotina se abastece.
E logo vem chuva em forma de lágrima.
Temo o colar de espinho
disposto a se agarrar ao pescoço.
E quem caminha sozinho
não possui outra vereda,
a fim de caminhar risonho.
Perante a opressão das coisas,
já nada significo.
Fixo o olhar na ameaça.
FERNANDO MEDEIROS
primavera de 2005