QUERELAS AZUIS

Era apenas um chão, um tanto carcomido,

um tanto ressabiado, um tanto remido.

Ficou me olhando assim, de canto de olho,

como se quisesse entender a que vim.

Chão aconchegado, aflito, áspero diria.

Mas de ventosas aguerridas, austeras, por que não?

Fui me aproximando receando das suas fuligens,

do seu desdém. Tinha medo de que regurgitasse,

que fugisse de mim, que revoasse a fundo perdido.

Chão rançoso, assobiando algo que fazia

menção ao frio, ao distante, ao coalhado.

Começou a ditar uma carta, daquelas que não

acabavam nunca. Ficou um inferno.

Tinha pele clara, e cheiro de vazio, cheio de querelas azuis.

Foi quando atentei à revoada de riscos e rabiscos.

Milhões deles, alvoroçados e febris. Parcos e bons.

Ficaram assim fitando com ar sério, desmascarado.

O que era chão ficou vão, ficou tão, ficou mãe.

Me acudiu numa benção tresloucada, de andarilho

com barba e sonhos por fazer, por entreter.

No bolso do esgarçado colete, havia um bilhete.

Fingindo não ser comigo, fui lê-lo.

Daí aconteceu. Como aconteceu.

O chão que se dizia parco e inerte, acordou.

Pegou nos braços e sacudiu meus miolos até Deus

pedir trégua, pedir sei-lá-mais-o-quê.

Então desamarrei a alma até que esquecesse dos

voláteis comichões, dos desmamados porões.

Voltou a ser um chão, apenas um carcomido,

apenas ressabiado e remido chão.

E nada mais.

 

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 29/09/2022
Reeditado em 29/09/2022
Código do texto: T7616602
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