NELSON HÉLIO

da mesa à pia

um rastro de café velho

na verdade gotas escuras

secas

do mesmo formato e tamanho

numa espécie de ode à lógica

da agonia

na borda da xícara vazia

o carimbo de lábios rachados

na verdade um borrão

seco

mas harmonioso em sua feiura

como se ousasse ser arte

para ser pendurado um dia

à mesa a sombra do homem me espia

sem corpo apenas contorno

na verdade um evento

louco

o bastante para ser plausível

tão real quanto o pão na mesa

que o diabo amassava e o anjo comia

à pia o fantasma da mulher esguia

sem corpo apenas neblina

na verdade uma aparição

louca

que me desafia a acreditar

no que diz os que eu considero loucos

e que se oferecem como pedra de cantaria