Eu e teus olhos

Humano que sou,

não atravesso o cristal

de teus olhos mercurianos

e não envolvo com meus dedos

o núcleo das flamas que perdura

em cada um deles.

Humano que sou,

choro de vez em quando

ao lembrar que o nosso tempo aqui

se vai com uma fria rapidez

e que os seus olhos se fecharão subitamente

em algum momento de nossas vidas.

É verdade que na superfície da beleza

que vejo e sinto só há buracos negros se inflando.

Mas seus olhos carregam certa magia secreta

que me transforma de um segundo ao outro

numa coisa diferente do que costumo ser naturalmente.

Acredito que sejam as ondas de calor que escapam

das órbitas oculares quando você me encara

com tanta persuasão e delicadeza.

Eu, feito de ossos, não atravesso o cristal

de teus olhos mercurianos, mas essas ondas invisíveis,

com sutileza atômica, sim.

É a partir delas que uma conexão estreitamente inexplicável

ocorre entre nós durante o encontro das pupilas.

Elas rompem a córnea e as pálpebras

com a bravura de um exército armado até os dentes

e navegam por brevíssimos centímetros

até chegarem ao primeiro corpo estacionado ao redor – isto é, eu,

me queimando feito um pássaro que ousa encostar

nas bordas vermelhas do sol – isto é, você.

Não consigo, é claro. Talvez nunca consiga.

O mais longe que chego é o quanto suas luzes me alcançam,

já que nunca me libertarei dessas gaiolas.

Ainda assim, não deixa de ser um lindo espetáculo.

Eu abraço as luzes que se espalham sobre mim.

Eu danço com as luzes que tremem o silêncio.

Eu construo um ninho para as luzes repartidas.

E creio, cegamente, que um dia repousarei em seus olhos

pelo resto da eternidade –

tornando o paraíso, enfim, verdadeiro.

Samuel Brandão
Enviado por Samuel Brandão em 03/01/2023
Código do texto: T7686096
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