FUROR, ARGAMASSA E PUPURINA

Tinha a voz abrupta, desanuviada.

Brotava assustada, diria até estremecida.

Parecia embebida em risos falsos, tortos,

carregada por um suor esquisito e cruel.

Era voz puída, vencida, banida de si mesma.

Suas vértebras padeciam ao luar,

vulneráveis à sina, ao relento do desdém.

Sabia reconhecer meus desatinos,

sabia entreter cada rincão da minha dor.

Era voz que dava pena, dava medo, dar escárnio,

inspirava saltos destronados e solitários.

A encontrei debruçada na gaveta do destino,

alforriada dos seus tentáculos sombrios,

desterrada de cada vintém roubado,

de cada talvez nublado e encardido.

Então a pus no colo, tentando ninar,

talvez redimir do seu pó avesso.

Fui persistente nessa lida,

mas o querer foi placebo, foi aceno tardio.

Nada mais havia a fazer, nem a lamentar.

Peguei a voz e a rasguei em infinitos tecos.

Depois atirei cada toco no revés da razão,

firme e plenamente decidido.

Então pude viver ou morrer,

nada mais faria diferença,

pois meu chão estava vingado,

ofertado à vida com todo furor,

argamassa e purpurina.

 

 

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 08/03/2023
Reeditado em 08/03/2023
Código do texto: T7735108
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