Nesta farsa perfeita à volta de mim
Estou já desperto mas durmo ainda.
Sinto meu corpo dorido
e ferido desta dor que não finda.
Estou febril de pensar. Febril de ser e de não ser,
também.
Febril por viver e não saber viver
de não saber sair deste torpor que me entorpece
e adormece a alma.
Nada me acalma já! Vivo assim…
Tudo está onde não está
tudo é incorpóreo, estagnado e parado
dentro de mim.
Quero acordar deste meu sono
e continuar eternamente em vigília
neste meu sonho de não saber sonhar.
Sempre o mesmo querer entre estes meus dois mundos
de mim perdido,
entre a profundeza de um céu distante
e a lonjura turbulenta de um mar ferido.
Um e outro dentro de mim interpenetram-se
e numa mistura de sonhos
em luta constante completam-se
sem qualquer sentido.
Sopra um vento de cinzas perdidas no ar
mil propósitos mortos sobre o que sou
e o que não sou
quando de mim desperto meio absorto.
Chego a pensar que é coisa ruim
que cai sobre mim dum céu sem remédio
porque neste meu sonho mórbido
quase morto
já nem sei gerir este tédio.
Inerte, uma angústia manuseia-me a alma
por dentro. Entorpeço-me.
Deixo-me boiar num oceano distante
e dormir.
Nem sei se sinto como toda a gente sente,
muito menos se quero sentir.
Já nada me acalma!... De tudo me minto.
Aborreço-me do que faço e não faço
já nem me levanto se me sinto a cair.
Nesta espécie de realidade que surge
neste sonho acordado
perco-me de mim, ausento-me de tudo
e de tudo me sinto algemado.
Canso-me num fogo que arde e me consome
invisível, na bruma da tarde;
canso-me de ser como sou
de dar-me como me dou
sinto-me vencível.
Perco-me nos passos do chão que piso…
Sonho e perco-me neste enredo de sonhos
que sonho, nesta ânsia passiva
que nem sequer é coisa nova.
Abomino-me até ao cansar-me dos sonhos
que sonho na vida e não realizo.
Sinto esta farsa perfeita
à volta de mim, que me envolve
e estreita
e me empurra p’ra cova.
____Inserto no inédito "O OUTRO LADO... de mim"
Publicado no jornal "ROSTOS" de 06/10/2007
Publicado na "USINA DAS PALAVRAS" de 11/12/2006