CAMINHOS

Se a gente pudesse parar de tentar achar sentido em tudo, talvez a vida fosse mais fácil. Se a gente pudesse, enquanto está no cinema, não pensar na casa por limpar, seria mais agradável viver. Se a gente soubesse pra onde ir, a estrada ganharia mais cor. Se a gente tivesse mais tempo livre do que trabalho, talvez ficássemos menos entediados nos momentos de lazer, menos preocupados nas férias e menos chateados aos domingos. Se a gente guardasse a energia que despendemos no coletivo pra investir em nós mesmos, poderiamos crescer ao cair e amadurecer ao errar. Culparíamos menos o universo e nos abraçariamos com compaixão. Poderiamos ver flores no inverno e sorrisos nas segundas. Aceitariamos a morte, os fins e os recomeços. Entenderiamos as partidas, os ciclos e os tropeços. Mas a vida não é como papel que aceita tudo sem questionar. Sempre vai existir aquele primo que a gente nem conversa, mas tem que ir no aniversário senão o que a tia vai falar? O amigo secreto da firma que tem que participar senão vão te chamar de arrogante e vão te excluir das conversas paralelas. Tem o final de ano com os avós que não podemos faltar porque pode ser o último deles na terra e aí a gente vai se arrepender por não ter passado com eles mais tempo do que deveríamos. Tem o "eu te amo" que deveria ter sido dito, tem o abraço que deveria ter sido dado, tem a mensagem que devia ter sido respondida, tem tantos poréns, tantos dependes... E eles vão se somando e nos formam nesse eterno apanhados de "devia-fazer-o-que-nao-quero-só-pra-agradar" e um enorme "se"... E se eu não tivesse dito não, e se eu não tivesse ido naquela festa, e se eu tivesse escolhido a esquerda, ao invés da direita, e seu não tivesse perdido o ônibus.... e se.... E se eu não for falsa o suficiente pra ir naquele amigo secreto onde todo mundo se odeia o ano todo e agora se dá abraços e palavras carinhosas? E se eu for arrogante o suficiente pra dizer não quando simplesmente não quero sair de casa? A vida é injusta, cruel, chata e não foi bem planejada. Não tem a ver com ingratidão ou reclamações levianas. Tem a ver com dia a dia, com realidade, rotina, verdade. Podemos viver sós - eles dizem, mas isso é uma afirmação completamente ridícula visto que para nascer e morrer precisamos de pelo menos um médico e (ou) um coveiro. A solidão pode ser o caminho, mas a companhia é o sapato: um precisa do outro, pra que tudo fique mais atrativo. Pode - se andar descalço? Pode. Mas vai doer. Em algum momento a dor vai vir tão forte que vai se tornar insuportável. Pode - se comprar um sapato e não ter um caminho a trilhar? Pode. Mas ele se tornará inutilizável, feito uma jarra, cujo objetivo é ser preenchida e passa todo seu tempo na prateleira vazia: inútil. Essa busca constante do "não sei o que me falta", do "não sei o que eu quero" ou do "nada nem ninguém me agrada" é exaustiva e me torna quebravel, triste, instável e insegura. Sou péssima no que me disponho a fazer, sou uma fraude nas teorias e professora em sabotagem. Não tenho cabeça pra amizades e nem pra estabilidades. Não consigo criar raízes, não acho graça em piada tosca e nem a sexta me dá vertigens. Não sei dizer se sou intensa ou se sufoco, se realmente me quer ou se te ganho no cansaço. Tenho problemas de auto estima, paranóias com a balança e vivo sempre nos limites. Tomo remédio controlado, bebo pra esquecer e quando esqueço me perco em mim. Se sou humana, sou frágil. Se sou crua, sou instável. Se sou real, sou quebrável. Se desabafo, sou dor. Se sou fogo, falta-me o pudor. Se sou certa, estou errada. Se sou calada, estou perdida. Se só existo, eu desisto.

26/03/2023

Lu Ciana
Enviado por Lu Ciana em 28/03/2023
Reeditado em 28/03/2023
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